Inteligência Artificial. “A dimensão do país já não interessa”

Metal Portugal aposta que o futuro do país vai passar pela Inteligência Artificial, a gestão de pessoas e a sinergia entre a tecnologia e a economia. Foram estes os três temas em destaque na conferência “Pensar Futuros”, organizada pela AIMMAP em parceria com o Portugal Amanhã no dia 20 de maio, na Universidade de Aveiro.

Inteligência Artificial, Pessoas, Tecnologia e Economia – três temas em destaque na conferência “Pensar Futuros” organizada pela AIMMAP, em parceria com o Portugal Amanhã, que decorreu no dia 20 de maio, na Universidade de Aveiro. Com um alinhamento de académicos, especialistas e profissionais de vários setores, os painéis foram moderados por Luís Ferreira Lopes, diretor do Portugal Amanhã.

“A IA tem de estar em paralelo com o humano”

As oportunidades e desafios que a Inteligência Artificial (IA) representa foram o tema do primeiro painel do evento, que juntou Sofia Tenreiro, Partner na Deloitte Portugal, Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, e Bernardo Almada-Lobo, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e co-fundador da LTPlabs.

A IA “não coloca em desvantagem nenhuma organização, se ela souber trazer ao seu serviço o bom que esta tecnologia tem a trazer”, afirmou Paulo Jorge Ferreira. Esta tecnologia é mesmo “uma capa de super-homem que colocamos – não nos substitui, dá mais poderes”, ilustrou Sofia Tenreiro. A líder do setor Energy, Resources & Industrials da Deloitte Portugal explicou como a capacidade de análise de dados e potencialidade preditiva da IA, em áreas tão distintas como a contabilidade e a qualidade do produto, permite tanto identificar processos mais eficientes como antecipar desafios. “O que antes mobilizava competências muito diferentes e o esforço de coordená-las, é agora feito com modelos muito robustos e em sintonia”, apontou. Mas “a tecnologia avança muito mais rapidamente que a disponiblidade e comforto para a utilizar”, notou Bernardo Almada-Lobo, o que cria “um problema de awareness e mindset analítico nas organizações”.

Para o académico, esta constatação cria reticências na adoção de processos de decisão apoiados por IA no âmbito estratégico pela perceção da perda do poder da intuição e experiência, de “um certo empirismo” dos decisores.
Esta é a perspetiva errada, explicou o professor da FEUP. “Só depois de formular bem os desafios dos negócios é que vou olhar para os dados e estratégias para resolver”, que é onde se inserem os contributos desta tecnologia. Na prática, o dilema é entre “fazer umas coisas com IA” ou desenhar uma estratégia que a integra realmente; noutra formulação, o desafio é saber como melhor usar a capacidade analítica da IA dentro da visão para a empresa, não que esta a desenhe. “Muitas vezes acontece ao contrário. Os dados são condição necessária mas não suficiente. O dilema não é tomar decisões com base em dados, mas ter um modelo analítico que permita tomar decisões acertadas por mim”. “O IA tem de estar em paralelo com o humano”, resumiu, explicando que a adoção desta tecnologia não implica necessariamente a substituição, mas a “alavancagem da qualidade das decisões”.

Um alerta ecoado por Sofia Tenreiro, que destacou como “há uma tentação de seguir ideias sexy” devido ao relativo desconhecimento das opções, e respetivo retorno, da aplicação da IA. Antes, é preciso “ser focado, priorizar e saber escolher onde introduzir a IA” – embora com o alerta de que “ainda não temos o talento suficiente para todas as nossas necessidades”, admitiu a consultora.

“Há um desalinhamento das competências entre o que é formado e o que é necessário”, reconheceu o reitor da Universidade de Aveiro, pelo que as universidades “não podem continuar a disponibilizar os instrumentos de sempre”. “Cursos e diplomas de três, quatro, cinco anos – não pode ser assim”, constatou, sublinhando a aposta da instituição em cursos de formação rápida e flexível. Uma ideia reforçada por Bernardo Almada-Lobo: “no futuro, todos terão que aprender Python”, declarou, comparando a importância da literacia tecnológica com o domínio da língua inglesa – sendo aquela até mais relevante, admitiu, devido ao desenvolvimento de IA para tradução.

“O progresso lida muito bem com os reticentes: deixa-os para trás”, sentenciou o reitor anfitrião, considerando que “cada organização tem de se adaptar e reorganizar em função desta ferramenta”. Paulo Jorge Ferreira explicou que a universidade não deve ser perspetivada apenas como elevador social, mas também como um “elevador empresarial”. “Não sinto as empresas portuguesas a ficar para trás”, constatou Almada-Lobo, que aproveitou para desafiar os presentes a “olhar para as melhores práticas de outros setores” e utilizar a IA para fazer um benchmarking que lhes permita incorporá-las.

O desenvolvimento da tecnologia faz com que “a dimensão do país ou do mercado já não interessa”, porque torna possível operar em todo o mundo mobilizando as vantagens locais, destacou Sofia Tenreiro. “É uma grande oportunidade para Portugal”, concluiu.

Costumização, flexibilidade e aulas de yoga

O painel dedicado a “Pessoas” juntou a vereadora da Câmara Municipal do Porto Catarina Araújo, Nuno Peixinho, Country HR Operations Manager da Faurécia, Paulo Simões, sócio da Egon Zhender, e o CEO da Magma, Miguel Gonçalves. A mensagem foi clara: as exigências dos trabalhadores são hoje muito diferentes das décadas passadas.

Esta é uma geração com “novas preocupações”, afirmou Catarina Araújo. A imersão no digital, a saúde mental e a “falta de pachorra para grandes reuniões” levam a uma maior tónica na flexibização laboral e na necessidade de um propósito. “Eles não ficam numa organização onde não são felizes”, sintetizou.


Nuno Peixinho definiu o desafio na contradição entre a definição de tipologias que permite aos departamentos de Recursos Humanos “a standardização e automização das práticas” e “o problema da costumização”. Neste “melting pot de problemas”, as organizações têm o desafio adicional de dois empregados que partilhem características ‘tipo’ terem “expectativas e anseios muito diferentes”. O mesmo explicou Miguel Gonçalves, que frisou que “os jovens não são todos iguais” e que “a liderança tem um impacto muito grande na cultura e organização das empresas”.

Mote lançado para Paulo Simões, especialista no recrutamento de executivos, que recorreu à sua experiência profissional para notar que “há poucas coisas em que os executivos portugueses são diferentes” dos congéneres internacionais. Com duas notáveis exceções: a aversão ao risco – “têm mais, para usar a palavra toda, ‘medo’ de mudar” – e “menos foco no desenvolvimento das capacidades da sua equipa”.

Feito o diagnóstico, Nuno Peixinho afirmou que “há um shift importante na gestão de Pessoas”, porque o desafio passa atualmente por “ser criativos para criar proximidade com as organizações”. Reconhecendo que “os aspetos salariais são cada vez mais importantes”, destacou que “coisinhas pequenas”, nomeadamente ao nível da flexibilidade laboral, “vêm equilibrar as condições meramente financeiras”.

O CEO da Magma indicou “que as empresas não fazem muito bem é a gestão de expectativa dos candidatos. Na entrevista, as condições fazem lembrar o filme da ‘Pocahontas’ – mas quando começam a trabalhar, parece o ‘Resgate do Soldado Ryan’”. Miguel Gonçalves reforçou que as condições de atração para jovens de 22 anos são muito distintas das condições para um executivo, atirando que “num país onde não se paga para ter felicidade, não se pode esperar que as pessoas consigam ser felizes”. “Onde se pagam amendoins, conseguem-se macacos”, asseverou, para gáudio da plateia.

Incentivos que não são tão facilmentes acessíveis no setor público. “Como é que se responde a tudo isto numa organização que tem coertado o poder da imaginação e instrumentos legais disponíveis?”, perguntou Catarina Araújo.

Admitindo que “já tinha perdido a guerra” da atração pela frente salarial, a vereadora da Câmara do Porto alertou para o risco de recrutar “cada vez mais pessoas que num curto espaço de tempo tomam outras opções de vida”. “Passei a estar em feiras de emprego, a ir às universidades e politécnicos” para contrariar uma tendência que a preocupa, indicou, acrescentando a aposta em iniciativas de Bem Estar – “passámos a ter aulas de ioga” -, programas de formação costumizados e até a utilização do LinkedIn pela Câmara para recrutamento e comunicação.

A propósito da fuga de talento do país, Paulo Simões alertou que “todas as nações que tentaram evitar o brain drain falharam”. O desafio é então perceber como criar um elento diferenciador que tanto permita reter como atrair talento. “A resposta não é evitar o brain drain, mas fomentar o brain circulation, coisa que neste país fazemos há 600 anos!”, sublinhou.

Uma questão de ritmo

Foi com a especialista em assuntos europeus Joana Valente, e os CEOs Teresa Martins (Neadvance) e João Paulo Oliveira (Triangle’s) que se discutiu as potencialidades que a tecnologia desbloqueia às empresas.

“Para mim, a tecnologia só pode estar ligada à automação”, constatou Teresa Martins. “Produzir mais rápido, sem erros, sem desperdício”, além dos ganhos evidentes, permite “libertar pessoas para tarefas mais nobres, mais estratégicas”. Uma tese ecoada por João Paulo Oliveira: “Muitas empresas usam a desculpa da falta de capital para não investirem na diferenciação por tecnologia”, que depois acabam por cair devido à forte concorrência a nível global. “Há muito dinheiro disponível para o co-investimento entre universidade e empresa. É preciso é ir buscá-lo”, exortou.

Se para inovar é preciso investimento, esse será um dos grandes temas de debate europeu no futuro, afiançou Joana Valente. Face à ausência de “um verdadeiro mercado de capitais” e de firmas com dimensão e escala para concorrer com as gigantes chinesas e americanas, o financiamento das empresas estará na agenda da próxima Comissão, defendeu.

João Paulo Oliveira aproveitou a sua experiência como gestor para relevar a importância da inovação. “É aquilo de que todas as empresas precisam: diferenciar-se ao nível de produto para poderem ter margens maiores, ganhar mais dinheiro e investir”. Teresa Martins alertou para o risco de confundir a investigação com o desenvolvimento de produto. “O ritmo da inovação não é o ritmo da equipa que está a trabalhar para o mercado”, avisou. Mas “as empresas que querem ser de topo na área da tecnologia tem que ter inovação. Se não internamente, pela ligação às universidades”, explicou.

“A Europa esteve de olhos tapados” para a indústria, comenta Joana Valente, responsabilizando o foco excessivo na agenda verde “sem ter em consideração o investimento e a inovação” no espaço comunitário. Mas, notou a especialista, onde antes a UE estava “focada em criar condições horizontais para as empresas como um todo”, a disrupção nas cadeias logísticas e energéticas que vêm ocorrendo desde a pandemia incentivam a “pôr em marcha uma série de iniciativas em setores específicos” que se reconhecem ser estratégicos.

Num cenário de crescente tensão geopolítica e sem certeza de o que Joana Valente denominou por “o porto-seguro americano” estar alinhado com as prioridades da União, resta esperar que a Europa retire a venda a tempo.