50 anos na economia portuguesa

Entre 1985 e 1990, o PIB cresceu 5,7% ao ano. De 2000 a 2022, cresceu apenas 0,7%.

O ano de 1974 coincidiu com o final de um prolongado período de forte crescimento: entre 1960 e 1973 o PIB per capita duplicou, crescendo a uma taxa média de 5,5% ao ano. Com a adesão à EFTA, os sectores produtores de bens transacionáveis viveram um período de grande vitalidade: em 1973, o conjunto desses sectores contribuía com cerca de 40% do valor acrescentado nacional. Actualmente, esse peso ronda os 25%.

A partir de 1974, a economia portuguesa sofreu os impactos da crise internacional em resultado do “choque petrolífero”, das mudanças políticas internas e da descolonização que, só por si, alterou profundamente as condições de funcionamento da economia. Nos 12 anos seguintes, até 1985, o PIB per capita cresceu a uma taxa média anual de apenas 0,6%, passando por dois episódios de resgate externo (Cartas de Intenções ao FMI sobre os períodos 1977/78 e 1983/1985), na sequência de elevados desequilíbrios externos.

O sucesso do ajustamento do segundo acordo com o FMI e a integração na então CEE criaram um ambiente propício à profunda alteração de políticas económicas e financeiras e à adopção de reformas estruturais pelos governos de Cavaco Silva. Em consequência, o PIB per capita registou altas taxas de crescimento, comparáveis às registadas antes de 1974: nos 5 anos entre 1985 e 1990 cresceu 5,7% ao ano.

Embora com taxas mais baixas nos anos seguintes, até à introdução do euro em 2000, o crescimento médio anual situou-se nos 2,4%. Porém, nos 22 anos que se seguiram o crescimento médio anual do PIB per capita português caiu para 0,7%, tendo passado por mais um resgate e um programa de ajustamento em 2011/2014.

O gráfico retrata quatro padrões de crescimento muito diferentes, a que corresponderam regimes de política económica também bem diferenciados.

Olhando o período pós 1974, vemos que até 1985 o país dispunha de autonomia na condução das políticas monetária e cambial, com forte intervenção dos governos, que fixavam administrativamente as taxas de câmbio e as taxas de juro (incluindo as da dívida pública). Por seu turno, o Banco de Portugal exercia o controlo monetário através da fixação de limites de crédito aos bancos. A isto somava-se uma política orçamental que acumulava défices elevados e dava manifestos sinais de indisciplina financeira.

A partir de 1985, a disciplina das finanças públicas foi restabelecida e fez-se a transição para uma política monetária e cambial gerida pelo banco central através de instrumentos de controlo indirecto, criando-se também um efectivo mercado de dívida pública. Foi ainda aprovada uma profunda reforma fiscal que modernizou e racionalizou o sistema fiscal português.

Foi uma mudança de grande alcance para a economia portuguesa, em que o Governo usou, consistentemente, todos os instrumentos de política de que dispunha e conseguiu um robusto crescimento, a par de reduções significativas da inflação e do peso do Estado na Economia.

O clima de estabilidade financeira veio a permitir a entrada no primeiro grupo de países da moeda única. Essa foi uma nova e grande mudança de regime económico, pouco mais de uma década depois da anterior que, na verdade, ainda estava em consolidação. O novo regime económico e financeiro, em que a política económica ficava privada de instrumentos que tinham sido fundamentais – a política monetária e cambial e a discricionariedade da política orçamental – exigia que as políticas que permaneciam na esfera nacional – microeconómicas, fiscal e de rendimentos – fossem usadas intensivamente e de forma coerente entre si e com as políticas europeias. Isso incluía a necessidade de um processo de reforma persistente que garantisse, em cada momento, as condições de produtividade e competitividade da economia portuguesa.

Ora, com excepção de dois breves períodos que não tiveram continuidade – correspondentes à reforma económica de 2002/2004 e ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro de 2011/2014 – não foi isso que se passou. O resultado está patente no decepcionante crescimento da economia portuguesa no período que se seguiu à entrada na zona Euro e que está associado à persistência de um défice crónico de produtividade que, em 2022, era ainda de cerca de 35% face à média da UE e que sobe para cerca de 50% face à média simples dos cinco melhores, mesmo excluindo a Irlanda e o Luxemburgo.

Todo esse período foi marcado pelo predomínio do investimento nos sectores não transacionáveis levando a que os sectores de bens transacionáveis fossem perdendo peso na economia, apesar do seu maior grau de abertura.

Também por isso se modificou a estrutura do stock de capital: mesmo excluindo a habitação, 81% é constituído por Construções (contra 63% em 1973), representando as Máquinas e Equipamentos apenas 13% (contra 29% em 1973). Acresce que o valor do stock de capital por trabalhador representa apenas metade da média da área do euro, tornando premente a necessidade de reforço de investimento empresarial nos sectores transacionáveis. Em compensação, não há dúvida de que a qualidade do capital humano é hoje bem superior à de 50 anos atrás.

Tudo o que foi referido aponta para a urgência da adopção de reformas estruturais que permitam elevar os níveis de produtividade e competitividade. As prioridades das reformas devem ser o reforço da concorrência no mercado interno, o aumento da eficiência da administração pública, a redução dos custos de contexto das empresas e um extenso programa para a sua recapitalização. Na remoção dos chamados “custos de contexto” avultam a racionalização/simplificação da regulamentação de mercados e produtos e a adopção de uma política fiscal incentivadora do trabalho, da poupança e do investimento.

A verdade é que, fruto de alterações pontuais frequentes, o sistema fiscal coerente, simples, moderado e equitativo criado em 1988 se foi transformando num sistema complexo, incoerente, imoderado e iníquo, que penaliza quem trabalha, quem poupa e quem investe. E que reclama a urgência de uma reforma fiscal extensa, coerente e integrada, que devolva ao sistema fiscal português as virtudes que resultaram da última verdadeira reforma fiscal, já lá vão 35 anos!

Economista, Coordenador do Observatório de Políticas Económicas e Financeiras da Sedes