Uma verdadeira política de gestão integrada de transportes

Tornar os municípios verdadeiros promotores de uma mobilidade inclusiva e sustentável

Uma das matérias fundamentais da atualidade, mas que se encontra afastada do debate público, prende-se com a forma como organizamos as políticas de gestão dos transportes, não obstante a sua relevância em objetivos mais amplos de coesão social, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento económico.

Durante décadas, as políticas de transportes públicos estiveram presas numa lógica centralista, apenas alterada com a Lei nº 52/2015 – Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros – que transferiu as competências de autoridade de transportes dos serviços públicos rodoviários para os Municípios e para as Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, consoante a tipologia dos serviços (Arts. 6º, 7º e 8º).

Os Municípios passaram a assumir o papel central enquanto decisores, abrindo caminho a uma transformação progressiva na prestação dos serviços, desde logo com o processo de integração tarifária e simplificação dos títulos de transporte, o que, no caso da AML, permitiu a criação dos passes Navegante, nas suas vertentes municipal e metropolitano.

Já em 2022 deu-se um novo passo decisivo com o início de operações da Carris Metropolitana, a qual centralizou a gestão da larga maioria dos serviços de transporte rodoviário na Grande Lisboa em torno de uma única entidade, a Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), integralmente detida pelos 18 Municípios da AML.

A mudança é inequívoca, mas só estamos a meio da estrada. O transporte rodoviário é apenas uma das componentes do sistema de transportes públicos das Áreas Metropolitanas, sendo que tanto o transporte ferroviário – considerando tanto os comboios suburbanos como o Metropolitano – como o transporte fluvial permanecem sob gestão do Estado central.


Esse facto é problemático. Para existir um ecossistema de mobilidade funcional à escala da AML, é indispensável considerar o impacto que as linhas suburbanas de comboios da CP e da Fertagus possuem nas deslocações pendulares de milhares de pessoas; da mesma forma que o transporte fluvial operado pela Transtejo-Soflusa é mais eficiente no transporte de passageiros entre margens, quando comparado com o transporte rodoviário.

A melhoria e centralização da gestão do transporte rodoviário não pode ser o móbil para que o Governo se escuse a investir no transporte pesado; nem servir como justificação para limitar o potencial de melhoria de decisões pensadas à escala metropolitana. O próprio Metro de Lisboa, essencial para distribuir pessoas no interior da cidade, estende-se para lá dos seus limites, chegando a Odivelas e Amadora, e futuramente também a Loures, com a Linha Violeta (numa solução de metro ligeiro de superfície).

Como é evidente, a sua gestão não deve ficar nem cristalizada no Governo, nem ser acriticamente entregue à Câmara de Lisboa, como alguns sugerem.
Precisamos de arrojo para completar o trabalho iniciado, dotando as Áreas Metropolitanas das competências necessárias para gerirem a oferta de transportes públicos na sua globalidade, permitindo articular um ecossistema que tenha o transporte pesado – ferroviário sobretudo, mas também fluvial e até rodoviário em canal dedicado – como espinha dorsal, que seja depois complementado por serviços robustos de transporte rodoviário, capazes de servir o território com maior capilaridade.

Faça-se, contudo, uma ressalva. Sendo imperativo que a TML (no caso de Lisboa) se assuma efetivamente como gestora da oferta de transportes públicos, tal não significa que esta concentre toda a operação. Isso representaria criar uma estrutura burocrática, ineficiente e dispendiosa, contrária a tudo o que se pretende.

A operação dos serviços de transporte pode assim continuar repartida entre diversas empresas, inclusive promovendo-se a concorrência – no caso da Carris Metropolitana, as operações foram concessionadas por concurso a privados do setor. Mas é fundamental que a oferta dos diversos serviços de transporte público seja gerida de forma integrada, com um tarifário simples e acessível, e com a proximidade que apenas os municípios são capazes de imprimir às decisões. Só assim se responde efetivamente às necessidades de quem vive nas áreas urbanas.

No fim do dia, uma mudança como a proposta não implica inventar a roda, mas apenas transpor para a realidade nacional as medidas que há muito foram adotadas por outras cidades europeias, como Londres, Barcelona ou Amesterdão, com resultados evidentes na satisfação dos cidadãos com a rede de transportes.

Num tempo em que tanto se fala de descentralização, é hora de aplicar os modelos bem-sucedidos, concedendo às Áreas Metropolitanas as competências necessárias a gerirem, de forma efetiva, os sistemas de transportes, aproximando-os das populações e contribuindo para uma efetiva mobilidade de futuro, mais eficiente e sustentável.

Na mesma lógica, é preciso reforçar o papel decisório dos Municípios, porque são órgãos de poder mais próximos das populações e muito melhores conhecedores dos territórios e, por isso, mais cientes dos problemas reais e mais capazes de equacionar as medidas adequadas para garantir o seu desenvolvimento.

Se foi arrojado transferir para os Municípios as competências de autoridade de transportes rodoviários, cumpre agora alargar o seu papel como verdadeiros promotores de uma mobilidade inclusiva e sustentável, verdadeira chave para desencravar os bloqueios ao desenvolvimento social nas zonas intensamente urbanizadas e fomentar as condições de crescimento económico que garanta o equilíbrio entre a criação de riqueza e a manutenção de modos de vida que todos queremos preservar.

Presidente da Parques Tejo