“Pedro Nuno Santos é mais passivo e Luís Montenegro assertivo”. O que diz a linguagem não verbal sobre os políticos?

Irina Golovanova, especialista em comunicação não verbal, dá dicas de como analisar o comportamento dos candidatos às eleições.

Pedro Nuno Santos encolhe muito os ombros e é mais passivo. Montenegro é assertivo, com pitadas de agressividade. O que é que a linguagem não verbal nos diz sobre os candidatos às eleições?
Irina Golovanova, especialista em comunicação não verbal, dá dicas de como analisar o comportamento dos candidatos às eleições.

A que aspetos da linguagem não-verbal é que um cidadão comum deve estar atento, por exemplo, ao ver um debate político. Pode dar exemplos práticos?Irina Golovanova – Em primeiro lugar, temos de analisar a postura, se é mais contida ou mais expansiva, por exemplo. Em segundo, se costuma gesticular ou não, se fala pouco ou muito com as mãos.
Em terceiro, o ritmo da pessoa, a forma como se mexe, a velocidade com que fala e se responde rápido, ou seja, se tem um ritmo mais calmo e ponderado ou se é um estilo mais enérgico.
O quarto parâmetro é expressividade facial. A pessoa é pouco expressiva ou muito expressiva? As pessoas mais expressivas têm maior facilidade em criar ligação com a sua audiência, por exemplo. Em quinto lugar, o ritmo da voz, se a pessoa fala mais baixo ou mais alto. E, por fim, o contato visual. Se a pessoa mantém o contato visual ou não e, se sim, com quem? Ás vezes nos debates, o/a candidato/a não responde a olhar para o interlocutor, mas para o jornalista.
E estes parâmetros são importantes porquê? Porque assim conseguimos perceber a baseline, ou seja, o comportamento padrão de uma pessoa. Quando o identificamos, conseguimos perceber se há desvios a este padrão.
Por exemplo, o António Costa gesticula quando está à vontade e nas entrevistas dele vemos que costuma gesticular com as duas mãos. Quando o assunto é menos confortável, há uma alteração no comportamento padrão e ele deixa de gesticular de todo ou começa a gesticular só com uma mão.
A dica para quem está a ver os debates em casa é não ir à procura de gestos isolados. Devemos perceber qual é o padrão da pessoa – em princípio já conhecemos os candidatos noutras ocasiões – e depois ler o desvio deste padrão.


Quando há um desvio no comportamento padrão, em princípio, é porque há uma sensação de desconforto?
IG – Sim, o desvio acontece normalmente quando existe maior carga. Para haver um desvio no comportamento padrão, não é preciso que haja um desvio em todos parâmetros. Basta uma pessoa, por exemplo, começar a falar mais devagar, quando costuma falar mais depressa.
Normalmente, o desvio acontece em momentos de desconforto ou maior carga cognitiva ou emocional. Esta carga cognitiva pode ser causada por várias razões, por exemplo, quando o/a jornalista faz alguma pergunta e a pessoa não tem todos os dados ou não se lembra ou porque tem os dados X, mas queria apresentar de forma Y.


Há alturas em que a linguagem não-verbal não condiz e desmente o discurso? Como identificar?
IG – Sim, esse seria o segundo bloco a analisar. O primeiro, que acabei de referir, é o baseline de desvios. Se há um desvio, alguma coisa está mal.
O segundo bloco é quando existe uma incongruência, ou seja, quando aquilo que a pessoa diz verbalmente não coincide com o que mostra com os gestos. Por exemplo, quando alguém diz “obrigada, estou muito contente por estar cá”, mas visualmente não há um sorriso. Não é congruente, porque estar contente implica normalmente um sorriso, uma expressão agradável.
As pessoas que estão a ver os debates em casa podem não perceber isto cirurgicamente, mas vão sempre sentir que alguma coisa não está bem.
Eu diria ainda que há um terceiro bloco de análise que é o estilo de comunicação. Existem três estilos de comunicação principais: agressivo, assertivo e passivo.
Há quem fale também do passivo-agressivo, mas não é consensual.


Quais são os sinais que permitem identificar esses estilos de comunicação ao ver os debates?
IG – O Paulo Raimundo (CDU), por exemplo, está mais tempo no estilo passivo. Não interrompe, não ataca, não toma iniciativa e a postura é mais contida. Já Mariana Mortágua (BE) e André Ventura (CH) estão mais num estilo agressivo.
Quais é que são os gestos mais agressivos e que as pessoas conseguem identificar? Um é apontar, o gesto mais agressivo que existe. Outro é inclinar-se repentinamente para a frente, como a Mariana Mortágua costuma fazer. É um gesto de ataque.
Outro gesto agressivo que vemos muitas vezes nos debates mais quentes é a palma da mão virada para a pessoa com quem estou a falar, como se dissesse “fala com a palma da minha mão”.
Quando há muitos gestos de ataque ficamos com a perceção que a pessoa esteve muito agressiva. Isso é bom ou mau? Depende. Uma agressividade ao extremo não é agradável, como foi, por exemplo, o debate entre o PAN e o Chega porque os candidatos interrompiam-se e apontavam o dedo um ao outro, mas nós, como telespetadores, não conseguíamos ouvir nada. A agressividade faz parte dos debates, mas nunca numa escala muito alta.
O estilo assertivo é sempre mais agradável para quem vê e ouve. Um gesto típico do estilo mais assertivo é quando uma pessoa usa gestos ilustradores, ou seja, gestos que acompanham o discurso e que são congruentes. Quando eu digo redondo, eu mostro redondo. Quando eu digo juntos, eu mostro juntos. Ou seja, gestos que acompanham e clarificam a minha mensagem.


No caso de Mariana Mortágua, essa questão da agressividade nos debates gerou um debate nas redes sociais sobre o facto de a agressividade nas mulheres ser mal vista, enquanto nos homens ser algo valorizado. Concorda?
IG – Isso é verdade. Há estudos que referem que, no caso das mulheres, a agressividade ou o estilo em que uma pessoa se impõe mais, é menos bem visto do que no caso dos homens.
A Mariana Mortágua, na verdade, consegue gerir essa agressividade, pelo menos foi o que revelou no debate com o Luís Montenegro. Se ela costuma ser um 8 em 10, em termos de agressividade, no debate com Montenegro foi um 6.
Mas ela é sempre assim? Não. Se analisarmos o debate da Mariana Mortágua com o Rui Tavares, do Livre, nunca a vi tão calma, tão assertiva. Até houve um comentador que disse que parecia que estavam a pedir desculpa um ao outro quando discordavam. Não há gestos agressivos, não há aquele ataque…

Quais são os sinais mais comuns de mentira na comunicação não verbal?
IG – Até hoje, cientificamente, não foi comprovado um único gesto que pudéssemos associar à mentira. Há quem diga que desviar o olhar é um sinal de mentira e, de facto, há mentirosos que desviam o olhar, mas isso não se aplica a todos.
A única maneira de tentar perceber se a pessoa está a ser honesta ou não é ver o padrão comportamental e o desvio. A mentira exige uma grande carga cognitiva porque tenho de me lembrar do que disse, para a próxima vez dizer a mesma coisa.
E uma carga emocional, porque posso ter medo ou até vergonha de ser apanhado. Essas cargas causam uma alteração no padrão comportamental.
Não se pode chegar à conclusão de que há uma mentira através de um único gesto. A única forma é ver o padrão e identificar os desvios e não há garantia de que o desvio aconteceu por causa de uma mentira.


Há estudos que dizem que uma voz mais grave é associada a uma pessoa mais competente. As mulheres tendencialmente têm uma voz menos grave do que os homens. Isto é uma desvantagem? É possível treinar para melhorar este aspecto?
IG – É um tópico muito interessante e, na verdade, nós só temos duas mulheres entre os candidatos. Essa questão já foi comprovada em diferentes estudos e, de facto, ficou constatado que, quanto mais grave a voz, maior poder social associamos a essa pessoa. Por isso sim, as mulheres, naturalmente, estão em desvantagem.
Mesmo olhando para as duas candidatas que temos agora em palco, a Inês Sousa Real (PAN) e a Mariana Mortágua (BE), é fácil perceber que uma tem a voz mais aguda e a outra uma voz mais grave. Então, a Inês está sempre em desvantagem? Sim e não. Nós temos o poder de variar a nossa voz, de usar mais ou menos amplitude e isso é possível treinar.

Em termos de linguagem não-verbal, quem é que esteve melhor nos debates até agora?
A minha opinião varia de debate para debate, mas, de forma geral, o Rui Rocha (IL). Tem boa postura e raramente usa gestos agressivos. Tem um estilo mais assertivo e ao invés de apontar com o dedo, por exemplo, aponta com a palma de mão toda; acompanha o seu discurso com gestos e é interessante que essa gesticulação é simétrica, usa ambas as mãos. A nossa relação com a simetria é muito interessante porque as pessoas, tendencialmente, gostam de tudo que é simétrico.
O Pedro Nuno Santos (PS) não é tão simétrico na sua comunicação e usa muito mais gestos passivos. Faz também muitas vezes o gesto de encolher os ombros que é mais associado ao estilo passivo.
Diria que, até agora, o melhor foi o Rui Rocha (IL), seguido de Luís Montenegro (AD) e depois Mariana Mortágua (BE) e Inês Sousa Real (PAN).

E entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, que são os principais candidatos a primeiro-ministro?
IG – Dou mais pontos a Luís Montenegro.


Como é que caracterizaria cada um dos candidatos em termos de estilos de comunicação?
IG – O Pedro Nuno Santos (PS) é mais passivo. O primeiro debate dele foi completamente no estilo passivo, nem deixou marca nenhuma.
O Luís Montenegro (AD) é mais estilo assertivo, a beirar o agressivo, dependendo de com quem fala. Na segunda parte do debate com a Mariana Mortágua (BE) começou a ficar agressivo…


Deixou-se levar mais pela emoção?
IG – É provável e é um ponto interessante. Claro que é por causa das emoções, mas “with great power comes great responsibility” e as emoções deveriam ser mais controladas. Eu posso não gostar da pessoa que está à minha frente, mas o que nós estamos à espera é que o novo líder tenha controlo das suas emoções e que seja estável porque depois vai trazer esta estabilidade para o país.


André Ventura (CH)?
Agressivo. Interrompe os outros, é horrível.

Rui Rocha (IL)?
Assertivo.

Rui Tavares (Livre)?
É assertivo, mas mais para o passivo.

Mariana Mortágua (BE)?
Está entre agressiva e assertiva, dependendo de quem está à frente dela.


Inês Sousa Real (PAN)?
Acho que já passou por diferentes estilos. É um camaleão [risos]. Vimos a Inês num estilo agressivo com André Ventura, assertiva com o Pedro Nuno Santos e lembro-me de uns debates dela há dois anos em que tinha um estilo muito passivo. Vamos deixá-la no estilo assertivo, com apontamento de agressividade.


Paulo Raimundo (CDU)?
Passivo.


Se os políticos souberem como utilizar a linguagem não-verbal a seu favor, isso não pode ser uma forma de manipular os eleitores?
IG – Sem dúvida. Vou dar o exemplo de António Costa, que num debate há dois anos contra o Rui Rio disse: “nós conseguimos aumentar a massa salarial em 3%” e, ao mesmo tempo, fez um gesto a afastar muito as mãos. Qual é a sensação que isto dá?
Pelo gesto dá a entender que 3% foi um grande aumento, mas quem entende desses valores sabe que foi pouquíssimo e que desapareceu tudo por causa da inflação.
António Costa não sabe que existe uma inflação maior que 3% e aquilo já não vale nada? Sabe, mas também sabe que amanhã as pessoas já não se vão lembrar se eram 3% ou 33%, mas vão se lembrar do gesto. Na verdade, isto é manipulação.

Enquanto especialista, a Irina também dá formações a empresários e profissionais. De que forma é que pode ser útil, por exemplo, a líderes de empresas?
IG – É muito útil e importante. Porquê? Porque o conteúdo é importante, sem dúvida, mas o sucesso da comunicação interpessoal, na gestão de equipas, depende da forma em que o conteúdo é entregue.
As minhas formações, dependem do cliente, mas incluem postura, gestos, trabalhamos muito na congruência e em ter gestos ilustradores na comunicação. O gesticular é muito importante.
Há pessoas que não gesticulam e dizem que não sabem falar com as mãos, mas, hoje em dia, há estudos que comprovam que quando uma pessoa fala e gesticula, a mensagem é percebida com menos erros e guardada durante mais tempo.
Também trabalhamos a voz nas formações, precisamente por causa da questão da voz aguda. Os homens têm naturalmente uma voz mais grave, mas, às vezes, quando ficam irritados ou indignados também começam a ficar com uma voz mais aguda. E há a questão da entoação…


Qualquer pessoa deveria treinar a sua comunicação não verbal? Sei que a Irina criou um jogo de cartas exatamente com este propósito.
Qualquer pessoa que trabalha, ou no dia-a-dia se cruza com outras pessoas, deveria fazer esta formação em comunicação não verbal.
Não é com o objetivo de observar os outros e perceber quando é que estão a mentir. É na perspectiva de como é que eu posso comunicar para ser entendida, compreendida, para me ouvirem e não me silenciarem; para deixar a melhor impressão possível, seja numa entrevista ou numa reunião na empresa e para ter uma relação melhor com as pessoas.
Nós somos seres que vivemos da comunicação. Quando vou falar com o meu chefe para sugerir um aumento, quando vou uma entrevista de emprego ou quando vou sugerir algum novo projeto que pode ser útil para a empresa.
Se eu não apresento com eficácia, a empresa não implementa e depois todos acabamos por perder.