Paradoxo Territorial Florestal: “should I stay or should I go”?

É esquizofrénico o antagonismo que, por vezes, se demonstra à indústria florestal.

Existe um “elefante na sala”, ou melhor “no território”! Foram, finalmente, divulgados pela AGIF os custos anuais com o combate aos incêndios rurais em Portugal (529 milhões de euros em 2022, em comparação com 143 milhões de euros em 2017). A estes montantes acrescem 324 milhões de euros em investimentos na prevenção e reorganização da paisagem.
Estes valores – titânicos – são totalmente justificáveis perante a função de minimização de risco que compete ao Estado nos dias de hoje. Porém, obrigam a algumas alterações estruturais no modus operandi tradicional. Não podemos pensar que tal tendência de incremento de despesa é ilimitada.
E quais serão essas alterações? Em primeiro lugar, é essencial que o território deixe de estar numa situação de não gestão (aka abandonado). Verificamos que grandes áreas que se denominam como florestais, não são senão zonas abandonadas, sem “rei nem roque”, onde a estrutura de propriedade, excessivamente parcelada, não permite uma exploração viável.
Essa inviabilidade aumenta progressivamente, com as alterações climáticas – risco acrescido – e com a desertificação humana – custos de mão de obra proibitivos. Isto é um pouco paradoxal, já que na perspetiva florestal (índice de Paterson), Portugal tem a melhor aptidão para a produção florestal da Europa.
Nestas condições, é totalmente esquizofrénico o antagonismo que, por vezes, se demonstra à indústria florestal, a única que consegue extrair alguma riqueza deste caos territorial instalado.
Para voltarmos a um modelo de gestão florestal global, é essencial que todas as propriedades florestais sejam geridas em escala. Do abandono, teremos de passar para um binário de floresta de conservação (com remuneração de serviços de ecossistema) e floresta de produção (criação de riqueza económica). O mercado voluntário de carbono é uma oportunidade irrecusável.
Porém, para qualquer uma destas ser viável, temos de reativar o uso imperativo florestal. E, neste quadro, com a experiência das AIGP e das ZIF, já se percebeu que a ação pública autoritária é crucial para desbloqueamento dos ausentes (terra abandonada ou “sem dono”) ou dos expectantes (heranças jacentes). Os modelos colaborativos têm virtudes, mas no estado atual, haverá que usar do poder público para a ultrapassagem de “bloqueios comportamentais”.
Em segundo lugar, para existir gestão são necessárias pessoas no território. E aqui não pode continuar a existir uma política de aversão ao estabelecimento. As cartas de risco não se podem tornar em cartas de proibição de residência ou de desenvolvimento de atividades económicas nas áreas florestais. O novo programa de eliminação das zonas brancas em se de telecomunicações (mais 500 milhões de euros de investimento) e os programas de mobilidade leve são incentivos à localização de habitantes em zonas de baixa densidade. Não se dificulte esta mudança. A presença humana nestas regiões é a chave para a sua resiliência.
Em terceiro lugar, o sistema de incentivos tem de ser alterado. E aqui temos uma realidade tridimensional: i) não se pode financiar os meios por área ardida, mas por área que não ardeu; ii) o terreno abandonado gera externalidades negativas aos demais que devem ser eliminadas; ora a receita anual de IMI rustico atual são 7 milhões de euros, pelo que existe um longo caminho a percorrer nesta área (nem a troika conseguiu reformar a tributação da propriedade rústica); iii) estima-se que mais de 20% dos terrenos rústicos estejam em processos de herança jacente. Tem de se criar um incentivo para que os processos terminem num prazo razoável. E aqui deverá haver uma combinação de “vara” e de “cenoura”.
Todas estas questões foram já identificadas por diversas instituições (por exemplo, AGIF, DGT, entre outras) ou por diversos grupos de trabalho (Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica).
Em quarto lugar, o cadastro! Sem cadastro não existe política territorial, mas uma mera aproximação. Conseguimos chegar a 2024 com 2 milhões de propriedades no BUPI. Faltam 10 milhões. Se não soubermos quem é o proprietário não será possível executar qualquer política de ordenamento “a sério”. A situação cadastral em Portugal é trágica. Até o Burkina Faso já completou o seu cadastro. A seguir a isso há que concretizar o Número de Identificação do Prédio, bem como toda a integração da informação geográfica (Planos, Programas, etc.). Estivemos nos últimos 30 anos a fazer política de ordenamento no “ar”.
Está em causa 85% do território nacional. Num estudo recente do Boston Consulting Group intitulado “Perspectivas para a Valorização da Floresta Portuguesa”, a integração das fileiras pode originar a criação de um valor acrescentado adicional de 6 a 7 mil milhões de euros. Se o Plano Nacional de Ação de 2021 for concretizado, tal significará mais 60 000 novos postos de trabalho no interior (21 000 empregos diretos na gestão do território e 39 000 empregos indiretos em serviços integrados, logística e infraestruturas).
Mas mais importante do que isso, o território será resiliente por si mesmo, e autossustentável em termos económico, financeiros e ambientais. Esta será uma nova reconquista do nosso território! E com repovoamento integrado!

Fiscalista e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa