Saúde 2024: desafios imediatos e a longo prazo

Os últimos anos têm demonstrado que não basta reforçar o orçamento público do SNS.

O sistema de saúde português terá em 2024 desafios imediatos e desafios de longo prazo (que exigem ajustamentos e evoluções a começar agora). Embora seja frequente focar a atenção sobretudo no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o sector público de prestação de cuidados de saúde, os desafios de longo prazo colocam-se aos operadores públicos e privados de cuidados de saúde. As tensões imediatas que se fazem sentir no SNS acabam por, frequentemente, ocultar as tendências de longo prazo.
A população portuguesa continua um processo de envelhecimento (e é uma boa noticia o aumento da longevidade média), o que gera diferentes necessidades de cuidados de saúde por parte da população. A necessidade de reorganização é mais importante que o efeito de despesa – a gestão da doença crónica com maior envolvimento das pessoas afetadas, e os cuidados em casa, com uso cada vez maior de instrumentos de telemedicina (que vai muito além das consultas por vídeo ou telefone), serão um realidade crescente. Haverá, provavelmente, em 2024 uma expansão destas respostas às necessidades da população, incluindo apoio a atividades do dia-a-dia, acrescendo a eventuais cuidados médicos ou de enfermagem. A integração de componentes tecnológicas diversas neste tipo de cuidados vai aumentar, quer no sector público quer no sector privado.
No imediato, a pressão sobre o funcionamento do SNS irá continuar a dominar as atenções (nomeadamente, a atenção mediática). Haverá, em 2024, dois aspetos centrais a acompanhar, como consequência do que se passou em 2023. O primeiro aspeto será a pacificação das relações laborais dentro do SNS (com os médicos e com as restantes classes profissionais, de seguida). Este elemento dominará, quase certamente, os primeiros seis meses seguintes à tomada de posse do governo que vier a ser formado na sequência das eleições legislativas.
O segundo aspeto é o duplo choque de criação de Unidades Locais de Saúde (ULS) e de novas Unidades de Saúde Familiar modelo B (USF-B). A criação das ULS coloca sob uma mesma equipa de gestão um hospital (ou centro hospitalar) e as unidades de cuidados de saúde primários geograficamente mais próximas (incluindo as novas USF-B). É natural que a criação das ULS não tenha um efeito visível imediato para a população além dos nomes e dos logotipos que mudam. Sendo uma alteração no SNS que tem virtualidades e riscos, exigirá da Direção-Executiva do SNS (DE-SNS) um acompanhamento e uma orientação que ajude cada ULS a desenvolver as suas virtualidades e a mitigar os seus riscos.
Por seu lado, a criação de mais USF-B, ao permitir alargar a cobertura por médico de família a mais residentes, tem a potencialidade de melhorar, de imediato, o acesso a cuidados de saúde das pessoas que venham a ser abrangidas. Contudo, estas duas transformações não resolverão todos os problemas do SNS, sobretudo os que são mais visivelmente sentidos pela população. Continuarão a existir necessidades de respostas do SNS, mesmo com horizonte temporal limitado, à procura de um primeiro contacto pelas pessoas quando se sentem doentes – seja nas urgências hospitalares, seja nos cuidados de saúde primários nas áreas onde há mais falta de médicos de família.
Como a realidade dos últimos anos tem demonstrado, não basta reforçar o orçamento público do SNS. As verbas dadas pelo Orçamento do Estado gastam-se sem que ocorra uma melhoria no funcionamento do SNS sentida pela população. É necessária uma adequada gestão financeira, mas não é suficiente. Embora pouco visível na opinião pública, os anos de 2022 e 2023, tiveram reforços substanciais de verbas para o SNS e ainda assim não se controlou o crescimento dos pagamentos em atraso dos hospitais do SNS.
Quanto à pacificação das relações laborais, em particular com os médicos, o tempo de espera até à realização das eleições legislativas, formação e entrada em funções de um novo governo fará com que uma solução (permanente?) só venha a ser alcançada perto ou depois do Verão. Até lá, será de esperar uma sua preparação pelos sindicatos e pelas entidades do SNS que apoiam o Governo (nomeadamente, DE-SNS e ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde), de modo a encontrar rapidamente o acordo político.
É pouco provável, devido à incerteza política na primeira metade do ano, que se venha a ter em 2024 uma clarificação dos processos de decisão dentro do SNS (a “articulação” da DE-SNS com outras entidades de topo do SNS). Essa necessidade (a meu ver) de clarificação ficará para 2025.
Apesar de o recurso ao SNS ainda ser largamente maioritário na população portuguesa, a “turbulência” que existe no SNS vai atrasando decisões essenciais de evolução nos serviços de saúde prestados e na forma como são prestados. Apesar da “turbulência”, há áreas do SNS que continuam um trajeto muito positivo, como é o caso da hospitalização domiciliária. Simultaneamente, a maior agilidade de decisão dos operadores privados continuará a determinar, de forma discreta mas persistente, um caminho de longo prazo que se vai ajustando à transformação das necessidades da população. O ano de 2024 ainda será cedo para perceber se as mudanças na organização do SNS produzem os resultados desejados, e a comparação com o sector privado continuará presente.
O ano de 2024 não será monótono na área da saúde.

Professor of Health Economics, Nova School of Business and Economics