A batalha pelas qualificações acontece em toda a Europa. Escolas e entidades de formação debatem-se pelas “skills” do amanhã, pela mudança do paradigma na escola atendendo à proliferação tecnológica hoje, mas também na atração e retenção de pessoas com talento nas organizações de sempre. Toda a Europa o discute, obviamente não é discussão isolada em Portugal. A escola deixou de ter o exclusivo do conhecimento e são as novas gerações que nos estão a desafiar. Estamos nisto há 30 anos e quanto mais mexemos e mudamos parece que ficamos na mesma. Ontem como hoje, mas será inevitável no amanhã?
Falo daquilo que ninguém fala, refiro-me às qualificações médias, às qualificações profissionais, e à especialização da mão-de-obra. Creio que nesta discussão por cá, apenas se vai ao topo – licenciados e ensino superior, ou às bases – importação de mão de obra para suprir necessidades.
Os empregadores dizem que têm dificuldade em prever as competências do futuro e lamentam não encontrar qualificados de que necessitam hoje. É uma narrativa em cima na mesa há muito tempo. Às escolas é pedido o impossível, capacidades adivinhatórias por um lado, e preparação de alunos a saber tanto quanto funcionários com 40 anos de experiência na casa.
Esquecemos por cá, a posta do meio, aquela onde creio, se deve concentrar de forma muito séria, muita da nossa atenção hoje e sobretudo, um investimento estratégico do amanhã.
Todas as escolas deveriam estar a ensinar e a formar para uma profissão. Até mesmo para quem siga a carreira puramente académica ou de investigação, essa etapa constitui em si mesma uma profissão. O percurso profissional deve voltar a ser um caminho de sucesso, reconhecido por todos, sob pena de mantermos o atual caminho que nos impele a “importar” mão de obra desqualificada, para exercer as profissões necessárias à indústria, à agricultura, à hotelaria, ao turismo…
O paradigma é tão incorreto que chega a ser caricato. Um exemplo? Os alunos que frequentam este ensino nas escolas profissionais, onde as áreas técnicas são na sua esmagadora maioria ministradas por profissionais, não têm direito a manuais escolares gratuitos. Nem direito à distribuição de computadores individuais gratuitos, pese embora serem alunos de ensino secundário. Dir-se-á que são abastados? É incompreensível. Nenhuma voz pública se levantou em sua defesa. Em defesa de quem ensina profissões.
O abandono escolar é um drama quando aqui chegados. Ao invés do incentivo pela positiva, as escolas profissionais veem-se confrontadas com penalizações financeiras sucessivas pela impossibilidade de manterem alunos no seu sistema de ensino. Os indicadores financeiros estão desenhados para a penalidade e a certificação não acontece.
O design thinking do sistema não pode ter sido feito por quem alguma vez tenha estado no “chão de fábrica”, que conheça a população frágil e heterogénea destes alunos, que vive dificuldades inimagináveis. De onde pensam que vêm os Ronaldos?
Na manta de retalhos que é o panorama do ensino das profissões em Portugal, o Estado é penalizador sobretudo para os outros, não exigindo para si mesmo aquilo que professa. É preciso regular estas diferenças, sob pena de concorrência desleal ou canibalização do sistema. Quem quer modelos únicos de ensino não quer qualidade.
O mapa que vos trago espelha o norte e sul da Europa – dados de 2018 antes da pandemia, onde há apostas de primeira nas qualificações de ensino profissional. A evidência é clara nos bem-sucedidos.
De diagnósticos está o país cheio, com estudos que nunca mais acabam, por isso, trago o exemplo estratégico de um país mais próximo de nós, em geografia, mas com visões claras no amanhã.
A França avançou este ano letivo com uma das maiores reformas de sempre no ensino profissional, porque o desígnio depois da pandemia é o da reindustrialização do país. Concluíram que isso só é possível com o ensino de profissões. Foi assumido que “a soberania industrial, digital e energética exige colocar o ensino secundário profissional no centro dos desafios formativos e repensar os percursos dos alunos do ensino secundário.”
Os incentivos são brutais para as escolas, mas também para alunos e professores, havendo o desenho dum caminho de futuro, sem exclusões.
Deixo exemplos. O apoio ao professor é feito de forma salarial (nunca menos de €2.000/mês o início de carreira) para “promover o comprometimento” e para adaptar ao modelo. Não se muda o sistema a lutar contra os professores.
É assumido que se devem permitir conhecimentos fundamentais ensinados em turmas pequenas. Experimentem ensinar eletrónica ou cozinha com mais de 20 alunos, mesmo em salas bem equipadas, e depois falamos da teoria por cá.
Há recompensas remuneradas para estágios ao longo da escolaridade.
Criam um período “aberto”, durante o qual o aluno pode escolher opções noutros locais ou fazer voluntariado, com garantia de regresso ao ensino secundário profissional, evitando o risco de abandono e o desaparecimento dos radares institucionais. Mais experiências dão melhores profissionais e isso conta.
Será alterada toda a oferta formativa nas escolas secundárias, serão encerrados todos os cursos de formação com baixa empregabilidade, mas haverá abertura de um número equivalente de vagas em sectores prioritários (indústria, serviços pessoais, digital, energia, construção sustentável, mobilidade, etc.). Foi anunciado o fecho de 2.600 cursos e abertas 3.000 novas qualificações, com mais 1.050 vagas adicionais para cursos com base nas necessidades das empresas parceiras de escolas secundárias profissionais.
E continua… dá gosto ler as 12 medidas estratégicas, densificadas e detalhadas sem retórica, escritas de forma cristalina, onde reforma é a palavra de ordem. Será este o França 2030 na educação para as profissões do amanhã.
Por cá gostaria de ver apostas sérias, onde o ensino secundário profissional fosse uma escolha de futuro para a economia, tendo em conta as grandes transições que a sociedade atravessará. Pouco interessa o que lá vai. Preocupa-me o que lá vem.
Diretora executiva da Insignare