Revolução da Inteligência Artificial na Saúde

O SNS pode beneficiar da integração responsável da IA nos seus processos e práticas.

A Inteligência Artificial (IA) está a desencadear uma revolução silenciosa nos sistemas de saúde em todo o mundo, trazendo consigo uma promessa de transformação positiva na vida quotidiana das pessoas. Imagine um cenário em que, ao consultar um médico, o diagnóstico seja mais preciso e rápido, graças à análise inteligente de enormes quantidades de dados.

Vislumbre um sistema que acompanhe continuamente a saúde de cada indivíduo, fornecendo alertas ao próprio e ao seu médico de família sobre possíveis problemas de saúde com base em padrões populacionais, permitindo intervenções preventivas, atempadas e eficazes.

Pense na sala de reanimação de um serviço de urgência hospitalar onde os profissionais de saúde têm de tomar uma decisão urgente para salvar um doente em estado critico. Nesse mesmo momento conseguem obter de imediato e em tempo real uma recomendação de intervenção clínica feita não só com base nos dados do doente, mas que reflita também os resultados dos estudos científicos mais recentes.

Imagine um centro de saúde onde o medico de família deixa de escrever ao computador durante a consulta podendo dedicar o tempo inteiro a conversar e avaliar diretamente o doente, enquanto os registos clínicos digitais vão sendo feitos autonomamente.

Indo a casos ainda mais concretos, podemos pensar no caso da D. Maria, uma senhora com 75 anos de idade e que vive em uma vila remota do nosso país. Com a ajuda da IA, os médicos podem monitorizar continuamente a sua saúde, recebendo alertas instantâneos se houver qualquer anomalia nos seus sinais vitais. Simultaneamente, o profissional de saúde recebe um conjunto de recomendações clínicas com base no perfil doente permitindo agir de imediato. Tais intervenções rápidas podem evitar complicações graves e até mesmo salvar vidas.

A IA pode ainda analisar milhões de registos clínicos para identificar padrões de doenças em estágios iniciais, permitindo um diagnóstico precoce e aumentando as probabilidades de sucesso no tratamento. Estas são apenas uma pequena amostra dos potenciais benefícios da aplicação de IA na saúde.
Mais eficiência, melhores resultados e a humanização dos cuidados de saúde. Em suma, melhor saúde para todos. Tudo isto e muito mais será possível com ferramentas que utilizem inteligência artificial.

Em Portugal, essas mudanças não são apenas uma visão distante, mas uma oportunidade real que pode melhorar significativamente a qualidade do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de saúde como um todo. A IA já demonstra diariamente o seu valor em várias frentes. Um exemplo notável é o uso de algoritmos de IA para analisar exames de imagem, como radiografias e ressonâncias magnéticas. Sempre com supervisão humana, estas intervenções têm agilizado a identificação de anomalias e acelerado o processo de diagnóstico, permitindo que os médicos tomem decisões informadas de maneira mais rápida, eficiente e com menos erros.

Vários hospitais já recorrem a estas tecnologias para fazer uma avaliação prévia e uma triagem mais ágil que permite alertar as equipas clínicas para eventuais situações que exigem intervenção urgente. Perante um potencial diagnóstico de cancro que poderá beneficiar de um início precoce da terapêutica evita-se que o doente perca tempo precioso de vida numa lista de espera a aguardar pela consulta agendada para daí a várias semanas ou meses.

No entanto, não podemos deixar de lado os riscos e as preocupações que vêm com esta revolução tecnológica. A confiabilidade dos algoritmos de IA é crucial, pois decisões médicas baseadas em informações incorretas podem ter consequências graves. Além disso, a privacidade dos dados dos pacientes é uma preocupação primordial.

Como podemos garantir que os dados de saúde sensíveis sejam protegidos contra acessos não autorizados ou uso indevido? Como lidar com a possibilidade de viés nos algoritmos, que poderiam resultar em diagnósticos erróneos ou desigualdades na prestação de cuidados de saúde? E como garantir que as recomendações clínicas feitas pelas ferramentas de IA são fiáveis e não compostas por erros crassos a que os tecnológicos designam por ‘alucinações’?

Para enfrentar estes e tantos outros desafios, é imperativo que existam leis e regulamentações rigorosas em vigor. Portugal tem a oportunidade de estabelecer diretrizes claras para o desenvolvimento, avaliação clínica e implementação de tecnologias de IA na saúde.

A criação de um quadro regulatório robusto pode garantir a segurança, a ética e a transparência no uso da Inteligência Artificial, ao mesmo tempo que fomenta e promove a inovação. Além disso, investir em programas de formação para os profissionais de saúde e os programadores de ferramentas de IA pode aumentar a colaboração e compreensão mútuas, criando um ambiente em que a tecnologia e a medicina avancem de mãos dadas, tendo o bem-estar dos doentes como princípio e fim de toda a sua ação.

O Serviço Nacional de Saúde pode beneficiar enormemente da integração responsável da IA nos seus processos e práticas. Esta revolução tecnológica pode abrir a porta para uma verdadeira política de prevenção capaz de efetivamente diminuir a carga da doença na população portuguesa. Um sistema de saúde focado em promover a melhoria da saúde de cada português, ao invés de se limitar a reagir quando cada um de nós fica doente. Imagine a redução das filas de espera, diagnósticos cada vez mais atempados e precisos, e tratamentos personalizados com base nas características individuais de cada pessoa.

A IA pode ainda otimizar a distribuição de recursos, a interoperabilidade e colaboração dentro do SNS, e entre este o restante sistema de saúde, prever variações de procura de cuidados de saúde sazonais, e até mesmo melhorar os processos administrativos, permitindo que os profissionais de saúde concentrem mais tempo no cuidado direto dos doentes.

Esse futuro saudável e tecnologicamente avançado é possível, mas requer um equilíbrio delicado entre os benefícios e os riscos. Com intervenções regulamentares sólidas, investimento estratégico e colaboração ativa entre todas as partes interessadas, Portugal pode trilhar um caminho promissor em direção a uma saúde melhorada pela Inteligência Artificial.

Médico e CEO da I-DAIR, The International Digital Health & Artificial Intelligence Research Collaborative