Ricardo Costa: “Novas eleições nem sempre são a solução mais desejável, com esta incerteza”

Líder do grupo Bernardo da Costa (caso Sucesso.pt em 2023) está preocupado com estado do país: “é inegável o vosso esforço genuíno em projetar um futuro mais sustentável e inclusivo (…), mas surge a dúvida se os esforços terão um impacto profundo”

Como antecipa estes quatro meses até ao final do ano a nível económico do paíse e da sua atividade em particular?
Ricardo Costa – O regresso à atividade económica após as férias de verão costuma trazer uma nova dinâmica, mas, este ano, as expectativas estão longe de ser otimistas.

Por um lado, há sinais encorajadores, como a recuperação contínua do turismo, que se tem afirmado como um verdadeiro pilar da nossa economia. Em julho e agosto, a taxa de ocupação hoteleira quase atingiu os níveis pré-pandemia, o que traz algum alento. No entanto, a incerteza global continua a pairar sobre nós.

A guerra na Ucrânia, as tensões comerciais que parecem nunca desaparecer e uma inflação persistentemente elevada continuam a afetar as economias europeias e Portugal não é exceção. Embora o nosso país tenha conseguido controlar a inflação um pouco melhor do que outros na Europa, a verdade é que o impacto no poder de compra das famílias ainda se faz sentir.

Em julho de 2024, o Instituto Nacional de Estatística (INE) reportou uma inflação de cerca de 3,5%. Pode parecer um alívio em comparação com os picos anteriores, mas ainda é um número que pesa nos bolsos dos portugueses.

O setor imobiliário já começa a mostrar sinais de abrandamento. O Banco de Portugal tem vindo a alertar para os riscos associados ao crédito à habitação e não é difícil imaginar que isto possa resultar numa retração do consumo interno.

Muitas empresas que dependem fortemente do mercado interno poderão começar a enfrentar dificuldades. O mercado de trabalho não ficará imune a estas pressões e não seria surpreendente ver um aumento na taxa de desemprego nos próximos meses. Prevejo, portanto, um final de ano marcado por uma cautela generalizada.

Embora alguns setores possam demonstrar resiliência, o crescimento económico será moderado, dependente de como se desenrolarem os acontecimentos internacionais e das políticas que o governo adotar para mitigar os impactos. Num momento em que gostaríamos de ser mais otimistas, os dados e a realidade impõem-nos uma visão mais prudente.

Se o Orçamento de Estado para 2025, que será apresentado em outubro, não passar em novembro, deve haver novas eleições? Que outra solução deveria ser encontrada, nesse cenário?
RC – A apresentação do Orçamento do Estado (OE) para 2025 será um momento crucial. Se o orçamento não passar em novembro, entramos num terreno politicamente sensível. A Constituição Portuguesa prevê que, em caso de reprovação do orçamento, o governo pode cair, o que abre a porta para novas eleições.

No entanto, novas eleições nem sempre são a solução mais desejável, especialmente num cenário de incerteza económica e social.

Alternativas poderiam ser encontradas através de negociações políticas, procurando construir um consenso alargado no Parlamento, talvez com ajustes ao orçamento que satisfaçam um maior número de partidos.

Outra hipótese seria a formação de um governo de iniciativa presidencial (Artigo 187.º da CRP), mas esta é uma solução que, historicamente, tem sido pouco utilizada em Portugal e que só se justificaria numa situação de bloqueio político total.

Novas eleições poderiam prolongar o período de instabilidade, com efeitos negativos na confiança dos mercados e na capacidade do país para atrair investimento. A melhor solução dependerá de um equilíbrio delicado entre a necessidade de estabilidade política e a resposta às exigências e expectativas da sociedade.

O que mais apreciou neste primeiro ano do “Portugal Amanhã”?
RC – Não posso deixar de expressar uma certa frustração com o estado atual do país. É inegável o vosso esforço genuíno em projetar um futuro mais sustentável e inclusivo – e isso é meritório. Contudo, a realidade que vivemos muitas vezes contrasta com as boas intenções.

Num país onde as disparidades sociais continuam a ser gritantes, onde o acesso a serviços essenciais como a saúde e a educação ainda é desigual, surge a dúvida se os esforços do “Portugal Amanhã” realmente terão um impacto profundo e duradouro. A transição energética e a digitalização são, sem dúvida, áreas cruciais para o futuro, mas será que estamos a incluir todos nesta transformação?

A digitalização, embora vital para a modernização do país, levanta questões sobre a literacia digital. Se a economia digital avançar sem uma educação inclusiva e acessível a todos, corremos o risco de ampliar a divisão social. Não podemos evoluir numa área que grande parte da população não tem formação. Antes da evolução, há a educação.

Outro ponto que me preocupa é a falta de atenção na questão demográfica. Portugal enfrenta um envelhecimento populacional acelerado e uma taxa de natalidade preocupantemente baixa. Este é um problema estrutural que requer soluções ousadas e imediatas. Sem uma abordagem eficaz, não só enfrentaremos desafios económicos, como também veremos comprometida a sustentabilidade dos nossos sistemas de segurança social.

O envolvimento da sociedade civil e do setor privado nas discussões do “Portugal Amanhã” é positivo, mas questiono se este diálogo é suficientemente amplo. Portugal tem um potencial imenso, mas para que esse potencial se concretize, é necessário ir além das boas intenções e garantir que as políticas sejam verdadeiramente eficazes e inclusivas.

O “Portugal Amanhã” precisa de ser um “Portugal para todos”. Só com uma visão crítica, fundamentada e inclusiva, conseguimos superar os obstáculos.