“Investimos para inovar, inovamos para internacionalizar”, afirma CEO da Bluepharma

Fundado em 2001, o grupo Bluepharma integra hoje 20 empresas. A partir de Coimbra, a farmacêutica gera 80 milhões de euros, emprega 750 pessoas e exporta 87% da produção para mais de 40 países

Fundado em 2001, o grupo Bluepharma integra hoje 20 empresas. A partir de Coimbra, a farmacêutica gera 80 milhões de euros, emprega 750 pessoas e exporta 87% da produção para mais de 40 países.

N.E.: Os medicamentos genéricos correspondem a metade do mercado dos medicamentos em Portugal. Por lapso, no pivot é referido que a Bluepharma representa metade do mercado dos medicamentos genéricos em Portugal. Por isso, pedimos desculpa.

A Bluepharma, além da empresa, é o nome deste grupo sediado em Coimbra, em São Martinho do Bispo. Quais são as suas áreas de atividade?
Paulo Barradas Rebelo —Nós costumamos dizer que em 20 anos criámos 20 empresas, em várias áreas de atividade sempre relacionadas com o medicamento.

Temos algumas startups que criámos aqui com professores universitários, nomeadamente de Coimbra, mas temos também outras sucursais fora do país e temos três áreas de intervenção: indústria, comercialização dos medicamentos e ensaios clínicos.

Criámos a Bluepharma Indústria, a mãe de todo o projeto, há 23 anos; um ano depois criámos a Bluepharma Genéricos, que foi o primeiro cliente da nossa fábrica, e a seguir a Blueclinical, que é uma empresa de ensaios clínicos sediada no Porto.

Qual o nível do volume de negócios do grupo?
PBR — O ano passado aproximámo-nos dos 80 milhões e este ano esperamos ultrapassar os 100 milhões de euros.

E a Bluepharma Indústria?
PBR — Da Bluepharma Indústria fizemos 68 milhões o ano passado e temos em orçamento aproximarmo-nos dos 80 milhões.

87% da produção vai para os mercados de exportação. Quais?
PBR — Nós fizemos aqui sempre a política dos três “is”: investir, inovar, internacionalizar.

Investimos muito nestas unidades industriais, tanto na fábrica de São Martinho como na nova fábrica de Eiras, investimos imenso nas pessoas, que são o core da nossa organização e olhámos sempre para fora. Investimos para inovar, inovamos para internacionalizar.

As empresas que apostaram, como nós, na inovação e na internacionalização, são empresas que têm sucesso no nosso país.

Exportam já para cerca de 40 mercados, mas com igual número pendente…
PBR — Exatamente. Nós começámos com uma fábrica. Tínhamos muita vontade de trabalhar, achámos que o país precisava de trabalhar, e fizemos o que Portugal precisava que se fizesse. Trabalhar, trabalhar com mão-de-obra muito qualificada, exportar, portanto, vender mais do que compramos, equilibrando a balança comercial na área do medicamento e trazendo medicamentos mais acessíveis à população.

No fundo, fizemos o pleno: exportar mais, criar riqueza no nosso país e termos solidez na área dos medicamentos, do fabrico de medicamentos no nosso território.

Optámos pelos medicamentos genéricos e foi isso que nos permitiu o crescimento. Está provado que foi uma boa estratégia, não só necessária no nosso país, mas necessária no mundo inteiro. Quando começámos, a cota de medicamentos genéricos era muito pequenina, em Portugal era praticamente inexistente; hoje, 50% dos medicamentos consumidos em Portugal são medicamentos genéricos em ambulatório, o que acontece na maior parte dos países ricos e industrializados. Estamos ao nível do mundo.

A aposta vai continuar a ser nos genéricos ou estão a procurar diversificar?
PBR — Foi uma forma que encontrámos de nos desenvolver, nunca perdemos de vista a investigação e o desenvolvimento. Ao fim de 23 anos, somos vistos lá fora como uma empresa forte na área do desenvolvimento farmacêutico, somos muito bons e temos muita gente a trabalhar na área do desenvolvimento.

Já desenvolvemos mais de 100 medicamentos diferentes ao longo destes 20 anos e vamos apostando, devagarinho, com a prudência que tem de ser, na área da investigação.

Costumamos dizer que nascemos na farmácia, passámos para a indústria nesta lógica dos medicamentos genéricos, porque era o que sentíamos ser mais necessário e que podia desenvolver a indústria farmacêutica nacional, mas o objetivo é sermos uma empresa inovadora.

Vamos investindo na investigação e o nosso objetivo é trazermos ao mercado algo que não exista, que venha cobrir uma necessidade ainda não satisfeita.
Esse é o nosso horizonte máximo, vai levar anos, vai, mas vamos trabalhar para que isso venha a acontecer.

E tiveram recentemente um investimento de 30 milhões de euros por parte da C2 Capital para esse propósito?
PBR — Quando criámos a Bluepharma não tínhamos dinheiro e recorremos a capital de risco. Isto em 2001. Estiveram connosco numa viagem de cinco anos, no fim dos quais saíram, tiveram as mais-valias e após mais três anos ganhámos coragem e achámos que estávamos no caminho certo e que tínhamos de investir muito na unidade industrial. Fizemos um round por vários capitais de risco, que entraram de novo.

Na altura era a PME Capital, que deu origem à Portugal Ventures, e foi simpático tornarem a entrar porque é sinal de que criámos relações sólidas e duradouras e que acreditaram mais uma vez no projeto. Estiveram connosco mais seis anos e saíram com as mais-valias respetivas.

Durante os últimos dez anos viajámos sozinhos, investimos muito, fizemos uma fábrica nova, temos um conjunto de clientes e um investimento em I&D muito, muito forte e achámos que era a altura de tornar a ter um parceiro financeiro que nos permita cumprir os sonhos que temos para o futuro.

A Bluepharma começou com os medicamentos genéricos convencionais para farmácias comunitárias, mas sentimos que tínhamos de diferenciar, onde menos empresas estivessem e avançámos para os medicamentos de alta potência.

Desenvolvemos já um número significativo, muito direcionados para o cancro — uma área demolidora para os sistemas de saúde porque os custos desses medicamentos são muito altos. Os nossos medicamentos e os genéricos que começam a aparecer vão ajudar a reduzir a despesa e a dar acessibilidade a mais pessoas.

Estamos na terceira fase, que tem que ver com os injetáveis complexos. Estes, como o nome indica, são mesmo complexos: na formulação, na administração, no sistema de fabrico. O melhor exemplo que podemos dar são as vacinas que a pandemia nos trouxe, de RNA. Estas vacinas são chamadas também injetáveis complexos. Já há antes da pandemia estávamos a capacitar a Bluepharma para este segmento.

Temos vindo a criar muito conhecimento na nossa unidade, muitas parcerias com a Universidade de Coimbra, de tal forma que esta tem um projeto connosco no âmbito do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] liderado pela Bluepharma, já com muito dinheiro. Conseguimos captar em Portugal, para Coimbra, um centro de terapias avançadas, de terapia génica. Este é o futuro da ciência farmacêutica.

A empresa integra verticalmente o processo produtivo?
PBR — Sendo uma pequena empresa, em Coimbra e em Portugal, quisemos sempre verticalizar a área do medicamento. Desde a I&D, passando pelas áreas da produção, do embalamento, da distribuição e das áreas conexas do controlo de qualidade e farmacovigilância, todo o processo está aqui integrado.

Beneficiamos muito de estarmos em Coimbra, uma cidade universitária, de onde todos os anos saem muitos estagiários e que nós recrutamos para aqui, fica sempre um número grande de estagiários a trabalhar connosco. Nos últimos anos, crescemos a uma média de 100 pessoas ao ano, gente licenciada. A economia do conhecimento é aqui uma realidade.

Em 2000, a Estratégia de Lisboa falava-nos em transformar a Europa numa sociedade do conhecimento. Olho hoje para esta empresa e olho para essa altura e evoluímos de termos 10% para 70% de licenciados.

Num universo de quantos empregados?
PBR — Temos 750 colaboradores. Temos 130 cientistas a trabalhar neste em I&D e temos já, no Porto, cerca de 150 pessoas a fazer investigação clínica.

A escassez dos medicamentos tem afetado muito a empresa?
PBR — A pandemia veio trazer-nos uma série de desafios. Nos anos de pandemia, houve menos consultas médicas. Menos consultas médicas são menos medicamentos. Mas, ao mesmo tempo que isso aconteceu, as empresas faziam as suas análises de risco e o que é que pensavam?

A última coisa que pode acontecer é faltarem os medicamentos. Então, puseram-nos encomendas a mais. Em 2020, crescemos mais de 20%.
2021 já foi diferente. Os nossos clientes estavam com armazéns cheios, não venderam mais e as encomendas retraíram-se.

Neste momento, temos um número enorme de encomendas a cair todos os dias, não temos mãos a medir. Em São Martinho estamos a trabalhar 24 horas, a três turnos e em laboração contínua, estamos em full time e com algumas encomendas em atraso: coisa que nunca aconteceu, mas costumamos dizer que não somos piores do que os outros, porque de facto o mercado está muito difícil, está com muita incerteza.

Sabemos que zonas geográficas como a China e a Índia estão a consumir cada vez mais e também medicamentos. Com estas alterações que a pandemia trouxe, houve uma corrida grande às matérias-primas e hoje temos de armazenar muito mais para podermos cumprir as encomendas porque basta faltar um composto para pôr em causa toda a produção.

A União Europeia lançou uma estratégia para combater essa escassez (n.r. Aliança para os Medicamentos Críticos)…
PBR — Acho que também nesse capítulo nós antecipámo-nos um bocadinho. Há 20 anos achávamos que era fundamental reindustrializar a Europa que estava a ficar sem unidades industriais.

A China, a Índia e os países asiáticos eram as fábricas do mundo. Neste momento, há uma consciencialização muito grande para reindustrializar a Europa e nós demos já o primeiro passo, inaugurando, no ano passado, uma unidade nova. Mas antecipámos também na área da I&D numa pequena empresa portuguesa em Coimbra.

Achámos que na cadeia de valor da investigação tínhamos o nosso espaço, estávamos junto a uma universidade. Hoje, a investigação faz-se muito em pequenas unidades universitárias. A capacidade inovadora não está nos grandes centros de competência das multinacionais, ao contrário do que as pessoas imaginam, está nestas unidades de investigação das universidades. Nós cruzámos muito trajeto com as universidades e lançámos várias startups.

A pandemia veio ensinar-nos também que a investigação… quem nos trouxe o que mais ansiávamos ter, que era uma vacina, foram pequenas empresas, por exemplo a Moderna, de que nunca tínhamos ouvido falar. Isto quer dizer que é fundamental hoje apostar nestas unidades pequenas, mitigando o risco e potenciando, através das multinacionais que têm a cadeia global de fornecimento que rapidamente maximizam o investimento enorme que se faz na investigação sobre medicamentos.

Estas parcerias… hoje precisamos todos uns dos outros e isto é uma coisa bonita, a partilha. É bonito. Cada vez mais, para as necessidades que o mundo tem, só conseguimos ultrapassá-las se tivermos a capacidade de trabalhar em conjunto, aproveitando o que de melhor temos, cada um de nós.

Outra área muito interessante, há 23 anos, eram os medicamentos genéricos. Também ninguém acreditava nos medicamentos genéricos em Portugal. Nós viemos com essa aposta e 23 anos volvidos, 50% do mercado são medicamentos genéricos. Estes têm um preço de 10% a 20% do original.
Quem utiliza medicamentos sabe bem quanto poupa com os medicamentos genéricos.

À minha maneira

Qual é o seu estilo de gestão e liderança?
PBR — Sou uma pessoa simples, corajosa, atiro-me aos projetos com muita energia, com muita confiança. Também sou uma pessoa que confia nos outros. O trajeto que tenho feito não era nada se não tivesse confiado nas outras pessoas. Aqui a Bluepharma é o exemplo.

Costuma-se dizer que “amigos, amigos, negócios à parte”, mas eu digo exatamente o contrário. É um conjunto de amigos que vêm de há 14 anos, de há 18 anos, que nos juntámos em torno deste projeto, todos com o mesmo mindset: de fazer indústria farmacêutica, de cumprir com o que o país precisa, ter a coragem de dar o passo e contribuir, definitivamente, para a saúde dos portugueses, para a saúde do mundo e para a economia portuguesa. Acho que cumprimos esse desígnio.

A minha forma de liderar é entre amigos. Costumo dizer que quando entro nos conselhos de administração, basta-me olhar para perceber o sentido de cada um e, portanto, é muito fácil gerir empresas desta maneira.

Temos um conjunto de gente muito competente, temos um conjunto de diretores também muito competente, que já está connosco quase desde a origem do projeto e que são os grandes pilares desta organização. É muito horizontal, nada vertical.

Eu digo sempre que gosto de trabalhar com pessoas melhores do que eu, porque estou sempre a aprender, estou sempre a desafiá-las e elas estão-me a desafiar a mim, de tal maneira que às vezes acho que já não tenho pedalada para os incentivos e para os desafios que me vão lançando todos os dias.

Sim, conseguimos

Qual foi o maior desafio que enfrentou à frente da Bluepharma?
PBR — O maior desafio que enfrentei foi passar da farmácia para a indústria farmacêutica. Era um farmacêutico de oficina, trabalhava ao balcão da minha farmácia e de repente vi-me a dar um passo para uma empresa industrial com muito mais metros quadrados, com muito mais tecnologia, com muito mais gente a trabalhar e a ter a responsabilidade de pagar os salários ao fim do mês e de desenvolver a empresa.

O que a multinacional Bayer nos deixou aqui foi tudo o que precisávamos para cumprir o nosso desígnio. Uma empresa forte na área dos medicamentos genéricos e que através dos genéricos evoluísse para a inovação. Esse é o trajeto que estamos a fazer.

Temos muita gente a trabalhar: temos um grupo de 750 pessoas, quando começámos, há 23 anos, com 58. Cumprimos com muitos jovens desta cidade. Temos vindo a multiplicar todos os anos, a absorver gente que fica e a conseguir fazer evoluir o projeto que é o que todos nesta casa queremos fazer.

Portugal 2043

Qual é a sua visão para o país daqui a 20 anos?
PBR — Quando me perguntavam isso, há 20 anos, eu queria um país mais qualificado, com empresas mais diferenciadas, que transformassem o conhecimento em valor. Esse processo tem vindo a ser conseguido. Os próximos 20 anos vão ser muito mais desafiantes, mas também considero que estamos muito mais bem preparados do que estávamos há 20 anos.

O Portugal que eu queria ver daqui a 20 anos é um Portugal que apostasse mais na iniciativa privada, que deixasse as pessoas, o cidadão, trabalhar, fazer coisas, que cobrasse menos impostos. Que tivéssemos uma economia menos dependente do Estado, menos cobradora de impostos e que permitisse às pessoas e às empresas fazer o seu trajeto, empregando cada vez mais gente, pagando cada vez melhores salários, e, portanto, soltar a economia. No fundo, eu gostava era de ver uma economia cada vez mais qualificada e mais solta das amarras para se poder desenvolver.

Claro, um país amigo do ambiente, em que o ESG esteja sempre presente, com empresas amigas do ambiente, que cumprar com as responsabilidades sociais e com uma governança boa. É assim que eu vejo as organizações no futuro.

Vê em Portugal potencial para poder ser uma economia de conhecimento como a de que falava há pouco?
PBR — Claramente. Fez-se uma aposta já há muitos anos na educação, gastámos muito dinheiro dos nossos impostos na educação, na formação das pessoas.

Estamos a festejar os 50 anos do 25 de Abril e hoje temos um país completamente diferente. Quando olhamos para trás a diferença é brutal. A qualificação, para mim, e a formação são o sinal de maior felicidade que um país ou um povo pode ter.

De facto, o nosso país apostou de forma muito assertiva na formação e hoje temos um número de jovens doutorados até acima da média europeia. Tenho muita esperança de que esta gente que está hoje na bancada das universidades migre para as empresas — e que migre para as empresas portuguesas. Esse é o desafio porque o mercado está aberto, as empresas com maior capacidade económica vêm cá buscar muitos dos nossos jovens. Esse é o desafio que o país tem de conseguir reter. Conseguimos recrutá-los, mas reter é difícil. Esse é o próximo desafio.

Estou confiante de que vamos conseguir, porque este é um dos melhores países do mundo para viver. Qualquer jovem não quer abandonar este país. Vê um país fantástico, uma história incrível, com património impressionante, com paz, com bom tempo, com céu azul, sol, montanha, praia, monumentos, história, boas tecnologias, portanto: temos tudo!
Temos universidades, hoje, de ponta, universidades que estão nos rankings internacionais, e essa reconversão que tem de se fazer daqui para a frente é reter cada vez mais as pessoas. Para isso têm de nos deixar ganhar dinheiro. E as empresas têm de ganhar dinheiro para poder servir cada vez melhor os seus stakeholders.

E como imagina a Bluepharma daqui a 20 anos?
PBR — Nós temos crescido a uma média de 15-20% ao ano e vai ser difícil continuar neste crescimento — a não ser que consigamos lançar esse tal medicamento, esse tal sonho que temos e que nos permita ter crescimento mais alto.

Mas mais importante do que crescermos muito, é sermos uma empresa, uma família, de gente organizada e feliz. É para isso que trabalhamos todos os dias, é para criar à nossa volta essa felicidade, essa alegria do trabalhar, do conquistar, do fazer as coisas bem feitas. Para dormirmos descansados. Porque só quem faz bem é que dorme descansado.