Aproximar jovens da Europa: “A União Europeia está a correr atrás do prejuízo”

As instituições europeias estão a conseguir cativar os jovens para a política? Em debate, Francisco Cordeiro Araújo, fundador do movimento cívico Os 230 e docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e Margarida Xavier Marante, jurista e assessora no Parlamento Europeu.

As instituições europeias estão a conseguir cativar os jovens para a política? Em debate, Francisco Cordeiro Araújo, fundador do movimento cívico Os 230 e docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e Margarida Xavier Marante, jurista e assessora no Parlamento Europeu.

Francisco Araújo: “Há uma trajetória crescente de pôr os jovens na agenda”

Não vejo o mundo a preto e branco; não vejo a União Europeia nem a azul, nem somente a amarelo. Há aqui um “sim, mas”. Esse “mas” prende-se com um conjunto de razões, nomeadamente de acesso a centros de decisão, que ainda é algo precário.

Isto não é somente uma questão de ver o copo meio cheio ou ver o copo meio vazio. É uma questão de trajetória. E há, evidentemente, uma trajetória crescente da União Europeia de colocar os jovens na agenda e de lhes dar acesso também a uma maior participação.

É o facto, nomeadamente, da Conferência sobre o Futuro da União Europeia, que é um mecanismo de democracia participativa que foi testado na última legislatura; é assim com os painéis de cidadãos que privilegiam muito os jovens e a sua participação, e é também assim com a abordagem de assuntos, nomeadamente a Agenda Verde, que tem sido cada vez mais premente no seio das instituições europeias.

De igual forma, acontece com os vários projetos que já existem de intercâmbio, seja de experiências escolares, como o ERASMUS+, seja em termos de estágio nas instituições europeias:o Livro Azul, o Schuman. Há mesmo iniciativas quanto à descoberta da própria União por parte de jovens que perfazem 18 anos, como é o caso da DiscoverEU, e há aqui um conjunto de iniciativas que alargam horizontes e possibilidades.

A minha questão essencial é se nós somos ou não otimistas perante este trajeto. Agarrando aqui num sketch de Monty Python, em que se pergunta “o que é que os romanos fizeram por nós?”, neste caso podíamos perguntar o que é que a União Europeia fez por nós. E há um conjunto de coisas que são evidentes que fez, como as que enumerei. Nós podemos ainda estar descontentes e temos razão ainda de ser mais ambiciosos, mas esta parte que nós podemos trabalhar, acima de tudo, está também do nosso lado. Ou seja, não só das instituições, que têm feito o seu trajeto, mas nomeadamente como as compomos.

E quando nós falamos, por exemplo, de eurodeputados ao Parlamento Europeu, e, neste caso, da sua média elevada de idades, aí também temos de pôr o ónus na sociedade civil e, nomeadamente, na escolha que faz dos seus candidatos. E é interessante que iniciámos os debates das eleições europeias e, por acaso, até tivemos à mesa dois intervenientes com menos de 30 anos. Por isso, essas escolhas também são nossas e não competem somente à União Europeia, mas competem à totalidade dos cidadãos garantir que os jovens também se afirmam no espaço público.

Margarida Marante: “UE aproxima-se dos jovens quando é conveniente”

Comunicamos e esforçamo-nos por aproximar os jovens quando temos necessidade, conveniência e capacidade. Às vezes, a União Europeia não consegue e não faz por aproximar mais os cidadãos e os cidadãos europeus ou porque não precisa, ou porque não quer, ou porque não pode. Porque entre a União Europeia e entre nós, os meros europeus, estão os Estados-Membros, que é uma grande barreira e que são realmente a cara que se apresenta perante nós enquanto poder público. E são eles, muitas vezes, que têm o poder de filtrar, moldar e selecionar aquilo que passa da União Europeia para nós.

Há uma coisa que mudou drasticamente nos últimos anos, que é a questão da comunicação direta, das redes sociais e de todo este mundo digital que agora temos. E eu hesito em dizer que foi a União Europeia que, proativamente e por grande vontade, começou imediatamente a comunicar com os jovens.
Aquilo que aconteceu, a meu ver, em grande parte, foi a comunicação e a corrida da comunicação começou. E a corrida para a captação da atenção dos jovens, neste caso, começou. E, portanto, era uma questão de a União Europeia ou entra na corrida ou tem de ir, muito atrasada, atrás do prejuízo.

E o que nós estamos a ver é que a União Europeia, e bem, quer comunicar as grandes missões, embora também não possa entrar em grandes detalhes, porque entramos na segunda vertente da conveniência, e que às vezes não é assim muito bom estar a explicar grandes coisas porque a União Europeia é um conjunto de muitas decisões imperfeitas, e são as possíveis.

Na União Europeia, aquilo que vemos destas grandes iniciativas, é um bocadinho correr atrás do prejuízo, bem, necessariamente, convenientemente e com a capacidade que tem para isso, mas os grandes comunicadores da União Europeia, muitas vezes vêm da sociedade civil, e o Francisco é um ótimo exemplo disso com o projeto que encabeça. A comunicação e a aproximação não se faz só de baixo para cima, mas de cima para baixo.

Margarida Marante: “A distância, a complexidade e a linguagem da União Europeia não cativam o jovem comum”

Francisco, do que se trata o projeto ”Os 230”, do qual é fundador?
Francisco Cordeiro Araújo — Começou com uma perspectiva nacional, de entrevistar todos os 230 deputados da Assembleia da República, depois passou também por uma perspectiva europeia de entrevistar os 21 eurodeputados portugueses ao Parlamento Europeu, tanto em Estrasburgo como em Bruxelas. Mas temos outras iniciativas de levar a democracia às escolas, de literacia política digital e presencial, de uma parte de maior participação cívica.

Lançámos recentemente as comissões de cidadãos, em que explicamos a atividade parlamentar, mas com iniciativas próprias de cidadãos apartidários, que podem constituir um conjunto de propostas que, depois de aprovadas nestas 13 comissões de cidadãos, possam ser apresentadas na Assembleia da República e ao Governo.

Basicamente somos um projeto que pretende desenvolver a democracia de um ponto de vista pragmático. Não sermos treinadores de bancada, mas identificarmos vários desafios que a nossa democracia tem e pensar em soluções para resolver. Foi isso que trabalhámos nestas diferentes frentes.

Há uma linguagem demasiado fechada nas instituições europeias e que não cativa os jovens?
Margarida Xavier Marante — Totalmente. A bolha da União Europeia e as circunstâncias em que a União Europeia consegue trabalhar são muito difíceis. É um projeto muito ambicioso, são 27 Estados-membros com uma coordenação e uma complexidade muito alta e, portanto, eu própria às vezes sou crítica de que a União Europeia é muito complicada.

A União Europeia trabalha do modo que lhe é possível e mais simplificação às vezes não é fazível e não é exequível, porque temos de unir muitos Estados-membros e temos de acordar em vírgulas para conseguirmos, por exemplo, um regulamento que é automaticamente aplicável diretamente em todas as ordens jurídicas.

A linguagem é também complexa. A realidade é distante. O jornalismo não chega aqui tanto a esta bolha por variadíssimas razões. Primeiro porque a política nacional é mais apelativa, é mais entusiasmante, tem mais entretenimento. E aqui, para o bem e para o mal, a bolha consegue funcionar e as decisões europeias conseguem rolar mais facilmente, sem ruído jornalístico, sem ruído político.

É claro que esta distância, a complexidade e a linguagem não chamam um jovem que não tenha já uma grande predisposição para gostar e para se interessar pela União Europeia. Não chamam o jovem comum. E, por isso, há aqui várias vertentes que, de facto, criam esta barreira, ou este nicho e vazio por completar.

Apesar de tudo aquilo que já foi apontado, há um interesse dos jovens pela União Europeia?
FCA — Sim, há, sem dúvida, um interesse dos jovens. Há um interesse dos jovens perante a Europa no geral, não só nas instituições. Há também um interesse das instituições em se abrirem mais aos jovens.

Mas concordo que a União Europeia corre atrás do prejuízo. Nomeadamente, na postura que tem nas redes sociais, partiu um pouco atrasada. Basta ver na questão do TikTok, que era um assunto tabu há um ano na União Europeia, e a 100 dias de chegarmos às eleições europeias, houve o lançamento de uma rede social, que chega a muitos jovens, se calhar da geração abaixo da minha.

Francisco Araújo: “O Parlamento Europeu comunica melhor que a Assembleia da República”

FCA — A União percebeu uma coisa. Se não está presente, outros estarão. Mas mesmo correndo atrás do prejuízo, a União está à frente do que os Estados-membros estão a fazer, nomeadamente o caso português. O Parlamento Europeu comunica melhor e de forma mais acessível do que a Assembleia da República. Mesmo tendo todos estes jargões, todo este “europeiês”, há uma acessibilidade nas redes sociais porque tem uma aposta inteligente, que é pôr jovens a falar com os jovens.

Nós olhamos para as redes sociais, olhamos para a estrutura de comunicação das instituições europeias e vemos oportunidades dadas a jovens para testar a criação de conteúdo, com resultados evidentes que chegam a mais pessoas de forma mais abrangente e mais acessível.

Os órgãos de comunicação social não têm acesso à atividade das instituições. Pelo contrário, são as próprias instituições, neste caso até o Parlamento, a financiar a ida de jornalistas, de quaisquer Estados-membros, a Estrasburgo. Ou seja, há essa aposta. A União não pode é criar um órgão de comunicação social próprio, porque teríamos aqui questões de liberdade de imprensa.

Essa reflexão tem de ser feita internamente, se nós também temos de pressionar os nossos órgãos de comunicação social para darem mais atenção aos assuntos europeus, porque eles tocam-nos forma direta e indireta. Mas há um caminho trilhado pela União Europeia, nos últimos anos, que é de saudar.

Francisco Araújo: “Há um interesse dos jovens pela Europa e as instituições têm interesse em se abrirem mais aos jovens”

Em termos gerais, quais são os anseios e as expectativas dos jovens?
MXM — Os jovens vivem com grandes níveis de ansiedade em relação ao futuro. E este sentimento de insegurança e de falta de chão liga-se muitas vezes a preocupações com questões globais, como é a grande questão climática.

A questão climática surge sempre no topo da lista. É muito presente na mente de qualquer jovem que pensa sobre o futuro. É quase como se fosse um elo, propositado ou não, que liga os jovens à União Europeia. Com a Covid-19 também surgiu um bocadinho esse fator de que há coisas que só em conjunto se tratam e que nós sozinhos não vamos a lado nenhum. Isso é algo que os jovens já percebem hoje em dia.

FCA — Quando olhamos para flagelos como as alterações climáticas temos de entender que isto é um problema global. Somos 8 mil milhões de pessoas no mundo, somos pouco mais de 400 milhões na Europa, somos só 10 milhões em Portugal, qualquer resposta tem de ser global. Para termos assento à mesa dos grandes, apesar de ter perspetivas diplomáticas bastante interessantes, só através da União Europeia é que temos uma voz ativa, nomeadamente nas COP [Conferência das Partes] que acontecem todos os anos.

Precisamos de uma Europa forte e eu acho que os jovens têm isto presente. Os jovens sabem que um Portugal na União Europeia é um Portugal também com uma voz mais ativa, um Portugal que consegue estar a par de assuntos globais e ter a sua palavra..

Tivemos cerca de 69% de taxa de abstenção, em 2019. Nas próximas eleições europeias poderá até haver maior participação dos jovens, com esta maior aposta nas redes sociais?
MXM — Acredito que sim. Já em 2019 a taxa de participação dos jovens, apesar de baixa, foi superior àquilo que era o normal das eleições anteriores. As redes sociais têm esta vantagem de poder espalhar, cativar e quase contagiar a sensação de conhecimento, de participação, de vontade e de sermos todos pertença de um grande grupo.

A questão das redes sociais tem um senão, é um pau de dois bicos nesta questão, que é acabar tudo por estar muito vulnerável às emoções e os instintos eurocéticos e as desconfianças também lá se contaminam e também lá se dissipam. As redes sociais não significam propriamente que o crescimento europeístico esteja necessariamente a crescer, mas isso é o risco de qualquer participação política. Vimos agora nas últimas eleições legislativas que a taxa de abstenção diminuiu e muitas vezes a questão de desconfiança das instituições também se expressou dessa forma.

Acho que os jovens estão mais interessados no projeto europeu e que gradualmente vão-se interessando. Os jovens estão a olhar para o telemóvel e é preciso que a União Europeia lá apareça, entre os breves segundos de atenção que nós prestamos a estes canais.

FCA – É de assinalar que, desde 1987, que foram as primeiras eleições para escolher os nossos representantes no Parlamento Europeu, até 2019, invertemos os números. Tínhamos 30% de pessoas que não participaram e passámos a ter 30% de pessoas que participaram, ou seja, aumentámos drasticamente a abstenção que, desde os anos 90, foi sempre superior aos 90%. O que é que precisamos de refletir? Como é que combatemos esta abstenção e promovemos também o voto informado.

Margarida Marante: “Os jovens estão a aolher para o telemóvel e é preciso que a UE lá apareça”

FCA – É preciso garantir que as pessoas que votam sabem realmente no que estão a votar, compreendem qual é o quadro da União Europeia, que competências é que tem, compreender o que são os grupos políticos e as famílias políticas europeias. É difícil fazermos pior do que 2019, por isso, as expectativas, como estão baixas, acho que vamos ter algum resultado positivo e os jovens vão contribuir para isso.

Os jovens não são a primeira geração ERASMUS mas são uma geração que sente a Europa e a comunicação nas redes sociais tem o seu peso. Friso aqui mais uma vez o papel que as instituições tiveram diretamente ao mudar a sua forma de comunicação nas redes sociais deixando aquela lógica, algo anacrónica, de, por sermos uma comunicação institucional, não podermos utilizar, por exemplo, o sentido do humor ou ter uma comunicação mais acessível e simples.

Se tivessem o poder de avançar com pelo menos uma medida para aumentar a participação dos jovens na vida política europeia, qual seria essa medida?
MXM — Seria através da educação. Começar desde cedo a explicar aos alunos a racionalidade do que é uma estrutura política, do que é uma entidade política, do que é uma organização como a União Europeia. O importante não são os detalhes mas é a missão, é falar de coordenação, dar exemplos desses benefícios, falar da paz.

Infelizmente, hoje em dia, até podemos dar exemplos bem explícitos sobre o que é não ter paz e trazer isso para o consciente, os benefícios, e o que é isto de trabalhar em união e de não estarmos sozinhos no mundo.

FCA — Reforçava em primeiro lugar esta medida de literacia, estimulando o sentido crítico, não dizendo aos jovens que têm que gostar ou não da Europa, mas que expressem essa vontade.

Regular verdadeiramente o que é que são estas medidas, nomeadamente os painéis de cidadãos da Comissão e a conferência sobre o futuro da Europa. Temos que nos perguntar não só o que a Europa pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer pela Europa. Esta perspetiva de colocar a responsabilidade no cidadão de dizer “isto também é um projeto teu, traz ideias e sê pragmático” é algo interessantíssimo.

Quando a União diz a Europa constrói-se com os cidadãos e lhes dá ferramentas, não só agora com uma plataforma em que podem colocar as suas ideias mas ajuda-as e lhes dá condições para trabalhar estas ideias, mudamos aqui um paradigma: isto não é um serviço que nós obtemos é uma comunidade de que fazemos parte.