Cidades do futuro. Portugal está preparado para a mudança?

“A mobilidade e a transição para as cidades do futuro tem de ser prioridade do novo governo”, defende a especialista Paula Teles

Menos carros, mais espaços verdes, edifícios altos, ciclovias e mais tecnologia. São estas algumas das características das cidades do futuro ou “smart cities” (cidades inteligentes). Uma das metas da Comissão Europeia é criar 100 cidades inteligentes e com impacto neutro no clima até 2030. E Portugal, terá a mobilidade como prioridade?

“A mobilidade e a transição para as cidades do futuro tem de ser uma prioridade do novo governo. Não podemos estar sempre a falar de sustentabilidade e não considerar a transição para mobilidades mais amigas do ambiente e mais verdes. Isto quando cerca de um terço das emissões advém da mobilidade”, explica Paula Teles, engenheira e especialista em mobilidade.

“Não há, nem tem havido planeamento. A Europa há muitos anos que anda a recomendar a Portugal a obrigatoriedade do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) e isso não tem sido aplicado. Não tem havido governo nenhum, de esquerda ou de direita, que tenha tido a capacidade de ouvir a Europa e de implementar essas recomendações”, critica.

Mais transporte público, menos carros

Para Paula Teles, uma das primeiras prioridades do novo governo deveria ser o investimentos no transporte público eficiente. Mas nas grandes cidades o carro ainda continua a ser o meio de transporte de eleição. Um estudo feito pela DECO PROTESTE a mais de 1500 habitantes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto revelou que mais de metade dos inquiridos continua a usar o carro nas deslocações diárias. Já os que optam pelos transportes mostram-se pouco satisfeitos, sobretudo os que recorrem aos autocarros suburbanos.

“As pessoas só vão fazer uma mudança do transporte privado para o transporte público se este for muito eficiente, se tiver uma cobertura de rede que vá ao encontro daquilo que são as novas áreas urbanas e as periferias e também que seja seguro e inclusivo”, sublinha a também fundadora e CEO da mpt®.

“Cidade de 15 minutos”

A “ cidade de 15 minutos” é um conceito de planeamento urbano que consiste em cidades em que a maioria das necessidades e serviços diários estão localizados a 15 minutos a pé ou de bicicleta.

Apesar da aprovação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC), que tem como objetivo que, em 2030, em cidades como Lisboa e Porto, uma em cada dez pessoas se desloque na cidade de bicicleta, Portugal ainda está longe deste ideal. “ Os dados demonstram que cerca de 60% das deslocações em automóvel têm menos de 3 quilómetros. Pessoas que não têm a mobilidade reduzida e que estejam em idade ativa poderiam utilizar a bicicleta para estas deslocações”, afirma.

“Temos cada vez mais infraestruturas criadas para o carro. Esse é um paradoxo deste nosso tempo e de falta de planeamento. Há pouco tempo foi anunciada uma via rápida entre Almada e a Costa da Caparica, para aumentar mais faixas de rodagem quando já atingimos o nível de poluição limite”.

Edifícios mais altos e menos cidades-dormitório

Ainda com o objetivo de reduzir deslocações, a especialista reforça que “temos de aumentar o índice de construção” e construir edifícios mais altos. Além disso, critica a construção de edifícios para habitação sem serviços nem comércio no rés de chão. “Isto cria cidades monofuncionais. Cidades monofuncionais não são cidades com vida, são cidades-dormitório. Uma cidade pode ter um conjunto de muitas cidades dentro dela.”

Sobre o estado das cidades portuguesas daqui a 20 anos, Paula Teles deixa duas previsões: uma otimista e outra pessimista. “Se continuarmos a trabalhar como agora, sem planeamento, daqui a 20 anos temos as cidades quase na mesma. Se não há uma mudança disruptiva de pensamento político e estratégico, não vamos resolver nada.”

Por outro lado, fica a esperança nas novas gerações: “se tivermos políticos mais jovens no futuro ou pelo menos com uma visão mais aberta a estas mudanças, acredito que daqui a 20 anos tenhamos uma rede muito mais estruturada de transportes públicos, um planeamento urbano mais denso nas cidades maiores, em que temos prédios muito mais altos e uma maior aposta em muitos espaços verdes.”