Representantes dos trabalhadores nos boards em Portugal: quo vadis?

As novas gerações vão exigir modelos de governance mais participativos, mas devemos fazer o caminho com uma discussão global e ponderada, que garanta flexibilidade sem que isso comprometa o objetivo final.

Esta semana surgiu uma notícia na imprensa ‘online’ sobre a carta dirigida ao ministro das Finanças por parte da Comissão de Trabalhadores da CGD, apelando a que fosse criado no banco público uma posição de Administrador Não Executivo, representante dos trabalhadores e eleito por estes, à imagem do que se fez na TAP.

Ouvidos os especialistas, o artigo identifica questões de lealdade, agilidade e formação do administrador eleito pelos trabalhadores como as principais barreiras, muito embora não exista uma rejeição do princípio subjacente. Existem, naturalmente, riscos e benefícios de uma mudança nesse sentido, que merece uma discussão mais aprofundada e atenta.

Na Europa continental, como, por exemplo, na Alemanha, o modelo de capitalismo e de governance assume características fundamentalmente diferentes do modelo americano e inglês.

Na Europa, as empresas tendem a ter acionistas dominantes e o mercado de capitais um papel muito menor no financiamento das empresas, que é assumido pela banca. A banca historicamente favorece relações de longo prazo e elevado envolvimento com as empresas, adotando maior risco nessas relações, quando comparado com o mercado de capitais em que o risco está diluído por milhares de investidores que de forma mais ágil podem também redirecionar os seus investimentos em caso de necessidade.

Esta orientação para o longo prazo e a estabilidade das relações com os bancos, estende-se a outros stakeholders, nomeadamente aos trabalhadores e aos fornecedores, sendo muito mais prevalente a existência de acordos de empresa e acordos coletivos de trabalho, com elevada tradição de co-determinação das decisões empresariais ao nível do conselho de administração.

Num mundo do pós-guerra caracterizado por uma necessidade de reconstruir as economias europeias e uma indústria alemã a fazer investimentos de muito longo prazo, ter conselhos de administração compostos também por representantes dos trabalhadores trazia fortes vantagens nesse contexto.

Até à crise do subprime e crise financeira global, o modelo da Europa Continental era muitas vezes elogiado, mas a investigação nunca foi clara sobre qual dos modelos – o da Europa Continental ou o anglo-americano – traziam mais vantagens para a competitividade empresarial.

Mas, como sabemos, a competitividade da Alemanha e da Europa estão hoje profundamente feridas, porque as grandes indústrias Europeias não souberam ler os sinais da mudança tecnológica e foram lentas a reagir.

Mesmo na indústria automóvel onde a reestruturação sem precedentes da VW é preocupantemente ilustrativa. A presença de administradores não executivos nomeados pelos trabalhadores não evitou o declínio da indústria alemã, sendo que a sua presença nos boards é normalmente conotada com lentidão na tomada de decisão, uma visão muito focada no interior da empresa e menos atenta a riscos disruptivos, nomeadamente tecnológicos.

Lembro-me perfeitamente dos meus tempos na General Motors (Vauxhall) no Reino Unido, numa altura em que a GM Europa se encontrava em reestruturação profunda. Os alemães tinham acordos laborais com práticas flexíveis que conduziam a um custo por veículo produzido imbatível. As relações industriais entre trabalho e gestão no UK, pelo contrário, eram altamente conflituantes e impossibilitavam a implementação de mudanças necessárias.

Claro que não foi simplesmente a presença de trabalhadores que trouxe a Alemanha e a Europa até aqui, mas também não parece ter ajudado. Se nos Estados Unidos estas coisas são quase vistas como conversa de comunista, no UK, institucionalmente mais maduro, existe uma visão mais integradora e sensata.

As crises do subprime e financeira global de 2008, levantaram questões relativas à compensação executiva que encorajaram tomada de risco excessivo, à emergência de culturas corporativas tóxicas com incentivos conducentes a práticas eticamente reprováveis e, em geral, ao cavar de um fosso entre os executivos e o resto da força de trabalho.

Admitindo os limites de um capitalismo e modelo de governo que gerava significativas e crescentes externalidades ambientais e sociais, o regulador introduziu importantes mudanças, procurando manter a identidade do modelo anglo-saxónico, mas dando flexibilidade para a adoção de algumas características do modelo Europeu continental.

A supervisão da qualidade da cultura corporativa, a necessidade de reportar de que forma os interesses dos stakeholders são acautelados na tomada de decisão e, a garantia de uma maior voz da força de trabalho no conselho de administração, foram três grandes mudanças no UK Corporate Governance Code de 2018.

Contudo, estas mudanças respeitaram dois princípios. O primeiro, foi garantir que a reforma do código se fazia de forma global e não de forma avulsa. O segundo, foi incluir opcionalidade relativamente aos mecanismos disponíveis para as empresas para garantir o objetivo de maior voz e representação da força de trabalho no conselho de administração.

No ano passado, 6 anos após a introdução destas alterações, as 254 maiores empresas cotadas utilizavam as seguintes opções relativas à representação dos interesses dos trabalhadores: 5% 1 administrador eleito pelos empregados; 10% um representante dos trabalhadores (não diretor) nas reuniões do board, mas sem direito de voto; 29% utiliza workforce advisory panels que são painéis constituídos para dar uma visão transversal da empresa e dos grupos de empregados; finalmente, 62% das empresas designam um administrador não executivo independente, com especiais deveres de ligação com a força de trabalho.

Como se depreende dos números, as empresas podem utilizar mais do que um mecanismo, isto é, eles não são mutuamente exclusivos. Estas mudanças foram introduzidas e adotadas com maior ou menor dificuldade, mas sem sobressaltos.

No caso português e, sobretudo, no que concerne às empresas detidas pelo Estado, convém ponderar muito bem o caminho a seguir. Desde logo, a reforma do governance das empresas públicas em Portugal requer uma intervenção muito mais sistémica que passa por clarificar a política de detenção do Estado, o papel das tutelas e dos organismos de supervisão como, por exemplo, a Inspeção-Geral das Finanças e a Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização, e um desenvolvimento de um código de governo que articule o papel, composição e operação dos conselhos de administração das empresas do Setor Empresarial do Estado.

Esta reforma que se impõe – não pode ser feita em resposta a pedidos avulso, empresa a empresa. Em segundo lugar, convém não forçar as empresas a seguir todas o mesmo modelo no que concerne à representação de trabalhadores no board.

O modelo seguido no Reino Unido, permite, sensatamente, que cada empresa possa adequar os mecanismos à sua história de relações industriais, ao momento vivido e ao nível de maturidade da organização. Garantir esta opcionalidade é importante.

Por outro lado, convém lembrar que um administrador independente que se preze, deve estar no conselho por forma a garantir um equilíbrio entre os stakeholders que garanta o melhor interesse da empresa a longo prazo, e deve exigir informação que lhe permita compreender a cultura e a voz da força de trabalho, levando essa informação em linha de conta no exercício do seu papel.

Finalmente, se a representação dos trabalhadores for opção, deve existir massa crítica (i.e. mais do que um representante dos trabalhadores) que permita que o mecanismo seja efetivo e reduza riscos morais e informacionais. Quanto às questões de lealdade, agilidade e formação, são questões que se podem levantar relativamente a muitos administradores não executivos, que não exclusivamente aos administradores não executivos nomeados pelos trabalhadores.

Projetando o futuro, as novas gerações vão exigir modelos de governance mais participativos, mas devemos fazer o caminho com uma discussão global e ponderada, que garanta flexibilidade sem que isso comprometa o objetivo final.