Hoje fala-se muito na cidade dos 15 minutos, em que tem tudo de estar próximo, mas esquecemo-nos de que as cidades não são construídas num estalar de dedos». Foi assim que Isaltino Morais deu o pontapé de saída para a conferência sobre mobilidade sustentável, organizada pela Câmara Municipal de Oeiras, em parceria com o jornal Nascer do SOL e o Portugal Amanhã.
O mote do evento, que se realizou esta terça-feira, passou pelo debate de novas formas de transporte sustentável, o papel de Oeiras nesta área e o que são, afinal, as cidades de futuro.

Na abertura, o autarca de Oeiras fez um resumo da evolução das cidades até aos tempos atuais e destacou que hoje, aquilo que se espera de uma cidade é a «compatibilidade, vivência entre os serviços e a população, para que as pessoas fiquem mais próximas do trabalho e até possam ir a pé». Mas alerta:
«O problema hoje em dia é que acontece tudo muito rapidamente, em todas as dimensões da nossa vida. Queremos tudo para ontem. E depois há a ideia de que quem tem o poder politico atualmente é que tem a responsabilidade por todos os problemas da mobilidade».
PROJETO DO SATU VAI SER ENTREGUE ESTE MÊS
Um dos projetos de mobilidade mais ambiciosos da Câmara Municipal de Oeiras é a reativação do Sistema Autónomo de Transporte Urbano (SATU).
Este meio de transporte inovador esteve em funcionamento entre 2004 e 2015 e devia ligar Oeiras a Sintra, mas o projeto nunca foi concluído. Na altura, a construtora Teixeira Duarte, parceira da Câmara de Oeiras, teve um prejuízo de 40 milhões com o falhanço do projeto.
«Fomos parceiros da Câmara no desenvolvimento do SATU, quando era ferrovia. O projeto não foi completado e isso foi para nós uma grande frustração. Acredito que esta vontade da Câmara vai favorecer todo o concelho», afirma Manuel Teixeira Duarte, presidente da Teixeira Duarte e orador do painel “Transporte Coletivo em Sítio Próprio: do Sonho à Realidade”.
Agora, vinte anos depois, a autarquia quer reativar o SATU com um projeto diferente que está a ser trabalhado pela Parques Tejo, a empresa municipal de mobilidade de Oeiras, e será financiado por fundos europeus, no valor de cerca de 100 milhões de euros.
«O SATU é um sonho que foi pensado. Foi inspirado em boas práticas que vimos lá fora e quisemos replicar em Oeiras. Uma linha dedicada para o transporte coletivo», começa por explicar Joana Baptista, vereadora da Câmara Municipal de Oeiras.
«O SATU mudou de paradigma nos últimos 20 anos. Passou de ferrovia para rodovia. O objetivo é simplificar e aproveitar o que já existe. Vamos introduzir nas vias um corredor para o transporte coletivo, entre a estação de Paço de Arcos e a Estação de Tercena».
Já no final deste mês, dia 28, o dossier do SATU será entregue ao Ministro das Infraestruturas e à Secretária de Estado da Mobilidade para aprovação. Caso a obra avance, a autarquia prevê que este novo modelo de transporte seja utilizado por 35 mil pessoas todos os dias.
«Estamos a apostar num segundo parque empresarial, tentando acolher a habitação e os escritórios. O sonho de qualquer pessoa é viver próximo do local de trabalho», refere o líder da Teixeira Duarte, que é uma das cerca de 27 mil empresas que continuam a apostar em Oeiras.





LISBOA LIGADA A OEIRAS POR METRO LIGEIRO
Com o investimento no município, aumenta também a pressão para reforçar os transportes públicos. «É o momento do LIOS (Linha Intermodal Sustentável) e do SATU acontecerem. Há finalmente o alinhamento entre os vários municípios da Grande Lisboa», acrescenta a vereadora Joana Baptista.
O LIOS é um projeto de metro ligeiro de superfície que vai ligar zonas entre Alcântara (Lisboa) e Cruz Quebrada (Oeiras), de um lado, e entre Santa Apolónia (Lisboa) e Sacavém, do outro.
«O projeto do LIOS, não é só um projeto estruturante a nível do transporte público, tem a componente da escala local. Envolve retirar estacionamento para libertar espaço para o transporte público e também para as pessoas. Implica uma vontade grande de alterar as condições locais e requalificar o espaço público», refere João Figueira de Sousa, sócio da Figueira de Sousa, responsável pelo desenvolvimento do Plano de Mobilidade e Transportes (PMT) para o município de Oeiras
«No caso do LIOS, estamos a criar uma solução de transporte em sítio próprio integrado, que corre em faixa reservada e tem prioridade semafórica. Conseguimos ter veículos de maior dimensão e mais veículos a passar. Nas horas de ponta posso ter autocarros de 5 em 5 minutos e durante o dia com cadências maiores», acrescenta.
MENOS CARROS, MAIS TRANSPORTES PÚBLICOS
O aumento dos parques de estacionamento, o estacionamento gratuito de 120 minutos e a criação de um dístico de estacionamento para famílias numerosas são algumas das medidas apresentadas pela Parques Tejo para a mobilidade em Oeiras.
«A estratégia de mobilidade de Oeiras tem uma forte componente no estacionamento, porque o estacionamento é a base das políticas de mobilidade. É preciso uma politica de estacionamento porque as pessoas não vivem sem carros», começa por explicar Rui Rei, presidente da Parques Tejo.
Mas esclarece: «Há zonas da cidade em que vamos retirar os automóveis e vamos devolver esse espaço às pessoas, porque a cidade mudou, a vivência mudou, e temos de ser inteligentes para a acompanhar».
Sobre a alternativa ao automóvel, João Figueira de Sousa sublinha que «a questão da mudança de comportamentos é central». «Estamos a tentar que as pessoas deixem o carro e usem o transporte público, mas indo ao encontro do que são as necessidades delas. Isto não pode ser feito à força», reforça.
Nuno Soares Ribeiro, Partner da VTM Global, chama a atenção para a necessidade de garantir «a atratividade ao sistema».
«A acessibilidade física tem de ser assegurada e é um desafio muito importante, bem como a garantia de que o sistema atua de forma eficiente e rápida, o que torna os tempos de viagem atrativos. Há más experiências lá fora de sistemas que não vingaram porque não foram concebidos a pensar nos futuros utilizadores. É preciso ter presente que estes sistemas são concebidos para para as pessoas».
No mesmo sentido, Susana Castelo, sócia da TIS – Consultores em Transportes, Inovação e Sistemas, refere que «quem não utiliza o transporte público tem uma imagem muito mais negativa do transporte público do que quem o utiliza. Vendo que há vantagens, as pessoas mudam».
E acrescenta: «É preciso trabalhar com as empresas e perceber em que medida é que também conseguem influenciar comportamentos. Não precisa de ser tudo ou nada. Não é preciso pegar no carro todos os dias, nem é preciso usar o transporte público todos os dias. Se durante a semana mudar de modo de transporte pelo menos uma vez, já ajuda».
AS CIDADES DO FUTURO
«Cidades confortáveis, de afeto, solidárias e de proximidade. Cidades que permitam andar a pé e tenham um bom sistema de transporte público». É assim que Paula Teles, presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade, começa por descrever o que é, para si, uma cidade do futuro.
«As cidades do futuro não têm solução apenas na engenharia. Têm de ter capacidade de se interligar», acrescenta.
A especialista refere ainda que, cada vez mais caminhamos para cidades de 15 minutos, em que a proximidade, os serviços e o foco nas pessoas em vez do automóvel, são as metas a atingir. «Eu comecei a minha atividade profissional a desenhar cidades para automóveis e agora desenho cidades para as pessoas», conta.
Também para Miguel Gaspar, Business Development & Innovation – SIBS, é importante que as cidades do futuro sejam construídas «tanto para quem tem 8 anos, como para quem tem 80». «Se um pai se sentir seguro para largar a mão de um filho no passeio e se um idoso se sentir seguro a andar pela cidade, provavelmente é uma boa cidade para toda a gente», afirma.
«A cidade do futuro vai atender aos conflitos, vai priorizar uns utilizadores face aos outros porque não vai haver espaço para todos, vai depender dos instrumentos e da tecnologia que tenha, mas no essencial tem de ser uma cidade que cuida do seu espaço público e do seu comércio, para que as pessoas queiram lá morar».
Para construir verdadeiras cidades do futuro, o principal desafio é conciliar «os legítimos interesses dos habitantes num espaço que é finito». Para Adolfo Mesquita Nunes, sócio da Perez-Llorca e especialista em Regulação da Inteligência Artificial, «a organização administrativa do território não está pensada para a transversabilidade» e a tecnologia pode ser uma ajuda essencial.
«A tecnologia e, principalmente, a Inteligência Artificial pode ajudar no sentido de trazer capacidade de analisar e recomendar decisões muito mais informadas», refere. Mas alerta: «Se eu não tiver estratégia, pensamento e qualidade dos dados o resultado final pode ser péssimo e até discriminatório».