As opiniões sobre as causas e as soluções para a crise da habitação divergem, mas há um consenso inegável: estamos perante a crise do século. Em cidades de todo o mundo, o acesso à habitação digna tornou-se um desafio cada vez maior, afetando milhões de pessoas e tornando-se um dos principais temas do debate público.
Sob o lema ‘A casa é o princípio da dignidade humana’, a conferência que se realizou na passada quarta-feira, dia 29, no Parque dos Poetas, em Oeiras, contou com dois painéis: ‘A casa e as pessoas’ e ‘O futuro da habitação’.

O evento, em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, contou com a participação dos vereadores da Câmara Municipal de Oeiras, Carla Rocha e Nuno Neto, bem como de António Nogueira Leite, da Nova School of Business and Economics, e Luís Mendes, do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território. O discurso de encerramento foi da responsabilidade do presidente da autarquia, Isaltino Morais.
Entre as questões centrais em debate estiveram a especulação imobiliária, o papel do Estado, a nova Lei dos Solos e as possíveis respostas para garantir que a habitação seja um direito acessível a todos.
O pontapé de saída para o debate foi dado pela vereadora Carla Rocha, responsável pela gestão social da habitação municipal, que levantou o véu sobre o que realmente se passa no terreno desde o momento do pedido de habitação à entrega da casa. «A política de habitação não é só a casa, é o que fazemos com a pessoa nessa casa. Dar a casa não chega», afirma.
«Em Oeiras temos muitas respostas e programas de proximidade», garante a vereadora. Mas admite: «A Constituição garante o direito à habitação, por isso não são as pessoas que estão a falhar, é o Estado, somos nós, as entidades públicas».
Já o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, veio aquecer o debate e deixou duras críticas à «extrema-esquerda do caviar» que critica a nova Lei dos Solos e a nova construção de habitação.
«Eles vivem todos de barriga cheia, todos de barriga cheia, são todos ricos, vivem bem, têm bons apartamentos, obviamente que se estão marimbando para aqueles que vivem na miséria e não têm casa. Se todos nós tivéssemos educação suficiente, éramos capazes de filtrar toda a demagogia e o populismo que nos chega», afirma.
Quem também não escapou das críticas foi a arquiteta e ex-deputada Helena Roseta. «Ela algum dia fez alguma casa? O que é que percebe de habitação pública para ser considerada uma especialista? Quando foi presidente da Câmara de Cascais, alimentou os bairros clandestinos com aquela ideia extraordinária de que a autoconstrução resolvia os problemas. A autoconstrução alimentou os bairros clandestinos», atira Isaltino.
«Quando lhe perguntaram se não é preciso fazer habitação pública nova, ela respondeu que pode-se fazer, mas demora muito tempo. Claro que demora, por isso é que não se faz. As pessoas não querem casa daqui a 30 anos, querem casa no imediato. O imediato podem ser 5 ou 6 anos. Se não metermos mãos à obra, não se faz».
O líder autárquico aproveitou ainda para mandar umas farpas a Carlos Moedas, a propósito do tema da segurança. «O Carlos Moedas queixa-se da insegurança em Lisboa. Mas qual insegurança? Nós vivemos num paraíso. Lisboa é uma cidade fantástica, a nível mundial. Há 30 anos não era assim: era suja, cinzenta e insegura e depois das oito horas da noite ninguém podia circular na rua».
As principais conclusões da conferência:
Um problema urgente
António Nogueira Leite: «Já andamos a discutir isto há anos, parece que não temos uma emergência. O Estado e a Administração Local demoram imenso a atuar. Não temos de encomendar mais estudos, temos de resolver o problema. Se isto continuar a ser arrastado, vão começar a aparecer soluções, mesmo que sejam muito más»
Luís Mendes: «O Estado Central tem uma grande culpa no cartório. Este problema sério carece de resolução e acho que todos juntos o conseguiremos resolver, mas só daqui a 30/40 anos, no mínimo»
Nuno Neto: «A solução não pode ser só em 2040. Não vai ser preciso esperar para atacar o problema, ele já está a ser atacado, pelo menos aqui em Oeiras. Com esta alavanca do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) acredito que o barco chegará a bom porto»
Construir novas casas
Nuno Neto: «A construção tem de existir em massa porque temos de compensar o desinvestimento em construção nos últimos anos. Foram desenvolvidas linhas políticas e foi-se cedendo ao politicamente correto do discurso de alguns radicais e interrompemos a construção, o que veio agravar o problema de carência habitacional à volta das cidades»
Luís Mendes: «Não se deve excluir a nova construção da equação, mas ao querermos desenvolver de forma massificada esse processo como solução, estamos a falhar. Nós temos um superavit de casas em Portugal, temos um milhão e 500 mil casas. E depois a nova construção só vai ter resultados e chave na mão daqui a 4/5 anos»
António Nogueira Leite: «A produção pública é diminuta. A capacidade instalada para construir é muito mais baixa hoje e, hoje em dia, lidar com a Administração Central do Estado é muito mais difícil do que era há 5,10, 20 anos»
Reabilitar devolutos
Luís Mendes: «Há uma grande quantidade de devolutos no centro histórico de Lisboa, aproximadamente 30% do edificado, mesmo depois de uma década de regeneração urbana. O Estado não tem a casa arrumada. Primeiro, tem de avançar e entregar os devolutos às pessoas que necessitam e acho que só isso resolveria o problema. Estamos a falar de 725 mil casas devolutas, sendo que mais de metade podem ser habitadas no imediato e uma parte significativa só precisa de obras pequenas de reabilitação»
Isaltino Morais: «Os professores universitários nunca fizeram uma casa na vida, não têm a mínima noção do que é isto, olham para as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística, veem que há 700 casas, e dizem ‘vamos lá ocupá-las’. Acham que vivemos na União Soviética, vão atrás do canto da sereia da extrema-esquerda. Se há casas vagas em Lisboa, esses especialistas da habitação que digam como é que elas passam a estar disponíveis»
António Nogueira Leite: «Muitas das casas que estão desocupadas para serem habitáveis, necessitam de obras de remodelação que alteram completamente o valor da casa. Depois muitas dessas casas não estão em regiões em que as pessoas queiram viver»
Nuno Neto: «No contrato social não se toca. A estabilidade para o investimento no mercado de arrendamento não se consegue com ameaças de esbulho à propriedade privada das pessoas. Quando hoje se aponta como solução o arrendamento forçado – como apontou Luís Mendes, que chegou a dar o argumento arriscado de que talvez seja preciso ir aos pequenos investidores -, essa é a ameaça que nunca se deve fazer»
Dependência do mercado privado
Luís Mendes: «A entrega de provisão e de construção foi sempre deixada ao mercado privado, e. neste momento. 98% do que é a provisão de habitação em Portugal é de provisão privada e 2% em média são de domínio público. Somos dos países da OCDE com a mais baixa taxa de habitação pública»
Isaltino Morais: «É engraçado como, por vezes, a extrema-esquerda tem um raciocínio lógico muito parecido com a extrema-direita, sobretudo a neoliberal, porque consideram, que os produtores privados é que devem responder às necessidades de habitação. Não, é sempre o Estado. Há 65% de inquilinos na Áustria e 65% de proprietários em Portugal. Esses 65% de proprietários é porque são ricos? Não, são escravos da banca, porque não havendo casas de arrendamento, foram obrigados a comprar casas, sacrificando as suas famílias e pagando significativamente, ao longo de décadas»
Nuno Neto: «Não podemos deixar nas mãos dos privados a resolução de um problema do Estado Social»
Nova Lei dos Solos
Isaltino Morais: «Esta nova lei vai permitir que os 70% de terreno rústico urbano seja para habitação pública. Isso vai permitir que se construam casas destinadas à classe média baixa e às famílias pobres. É a única forma de resolver o problema da habitação em Portugal»
Nuno Neto: «Esta nova Lei dos Solos vem permitir que se consiga responder mais rapidamente ao problema da habitação. O que a lei determina é que vamos regularizar perímetros urbanos, vamos usar solos agrícolas para produção agrícolas e, para a construção de habitação, vamos usar cerca de 1% dos terrenos rústicos do país»
Luís Mendes: «Sou autor da Carta Aberta sobre a Lei dos Solos. Acho que esta alteração do Governo Montenegro foi muita extremada. Pessoas da esquerda à direita ficaram alarmadas com as novas alterações»
Políticas de Habitação em Oeiras
Isaltino Morais: «O maior construtor em Oeiras é a Câmara Municipal de Oeiras. Nos últimos 30 anos foram construídos à volta de 18, 19 mil alojamentos e cerca de 7 mil foram construídos pela Câmara Municipal»
Nuno Neto: «Nós construímos 6% do parque habitacional existente. Neste momento, temos um parque habitacional que representa cerca de 3.6% da habitação utilizada no concelho. Estamos a requalificar o parque habitacional municipal, os 19 bairros, 410 edifícios, 3131 casas em requalificação e 15 programas de habitação em construção. Vamos construir 746 casas e adquirir mais 234. Estamos a construir casas do século XXI e estamos a transformar as casas do século XX em casas do século XXI, para dar conforto, eficiência e eficácia a estas casas. Precisaremos de cerca de entre 3 a 4 mil casas no território de Oeiras para satisfazer esta necessidade»
Luís Mendes: «Tivemos em Lisboa uma viragem neoliberal nas políticas de reputação urbana, coisa que não tivemos aqui em Oeiras, onde pelo contrário, houve políticas fortemente municipais, orientadas para as comunidades e para as populações»
Turistificação
António Nogueira Leite: «Há uma série de imóveis no centro de Lisboa que acabam transformados em hotéis. Eu pergunto se não podia haver habitação para a classe média e se isso não era uma política social do Estado. O dinheiro é nosso e nós queremos que se resolva o problema social. Porque é que se continua a vender para a hotelaria?»
Luís Mendes: «A turistificação produz muitas externalidade negativas. Alfama tem 60% do seu stock habitacional afeto ao Alojamento Local (AL). É necessário mais ordenamento turístico, tem de se garantir que há uma resposta às dormidas dos turistas e tem de haver limites» l
diana.gomes@nascerdosol.pt