Renovação de edifícios. “Estamos em risco de incumprimento”, alerta especialista

Portugal renovou 3,9% dos edifícios até 2023, mas a meta é 49% até 2030. “Incentivos financeiros, como fundos europeus, são fundamentais”, defende Luís Mendes.

Um futuro onde cada edifício seja um abrigo, com condições para se viver sem frio ou calor extremo, mas também onde a eficiência energética seja a palavra de ordem. É esse o cenário ideal traçado pela Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), um plano ambicioso que busca renovar o parque habitacional e comercial do país.

Entre os principais progressos identificados, destaca-se uma redução de 6,5% no consumo de energia primária, aproximando o país da meta de 11% estipulada para o final da década. A produção de energia renovável local também ultrapassou expectativas, com um crescimento de 25,5% em 2023, superando a meta de 11% definida para 2030. Além disso, as emissões de CO₂ provenientes de edifícios diminuíram 45,7%, sinalizando um movimento positivo rumo à neutralidade carbónica.

Mas, apesar dos avanços, Portugal apenas renovou 3,9% dos edifícios residenciais e não residenciais, desde 2018, sendo que a meta para 2030 é de 49%, de acordo com o 7.º Relatório de Progresso da ELPRE, publicado na passada sexta-feira.

«Há claramente um risco de incumprimento», alerta Luís Mendes, geógrafo no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG/UL) e no IGOT. «Para alcançar essa meta, será necessário um aumento significativo no ritmo de reabilitação energética do edificado, além de um forte apoio político, financiamento adequado e um robusto plano de implementação. O Estado deve dar o exemplo».

Por trás de cada número, há uma vida impactada. A pobreza energética continua a assolar muitas famílias e, embora o conforto térmico tenha melhorado ligeiramente, reduzindo o desconforto em 0,54%, ainda há milhares de lares que enfrentam temperaturas extremas sem recursos adequados para mitigá-las.

No relatório, o Grupo de Coordenação refere a importância de reforçar os mecanismos financeiros e os incentivos fiscais de promoção da eficiência energética e de haver um plano de ação dedicado à reabilitação dos edifícios da Administração Pública.

«A introdução de incentivos financeiros, como os fundos europeus, é fundamental para promover as renovações em larga escala. Além disso, a melhoria das normas e incentivos fiscais para a modernização de edifícios pode acelerar a adesão ao processo», sugere também o especialista em urbanismo.

Obstáculos à renovação de edifícios

Ao mesmo tempo Luís Mendes destaca vários fatores estruturais que podem dificultar o cumprimento dessa meta, como a falta de mão de obra qualificada, a reduzida preparação das empresas e a forte concentração da iniciativa de renovação no segmento imobiliário de luxo.

«Há um claro desinteresse pela renovação energética de edifícios mais antigos, especialmente em áreas de menor valor de mercado, que são vistas como menos lucrativas. Muitos investidores podem preferir construir novos edifícios de luxo ou imóveis para arrendamento (build to rent), onde as exigências de desempenho energético são mais facilmente atendidas. Vence a nova construção, perde a economia circular, o ordenamento do território e a reabilitação urbana em geral», critica.

Há ainda desafios técnicos que podem tornar desafiadora a renovação de edifícios antigos, especialmente os históricos, já que possuem problemas de isolamento, o que resulta em altas perdas de calor e dificuldades para cumprir os requisitos de eficiência energética. «A introdução de novas técnicas de isolamento sem comprometer a estética ou a integridade estrutural é um desafio», refere o especialista em urbanismo.

O parque de edificado mais antigo quase sempre não está preparado para integrar novas tecnologias, como sistemas de aquecimento eficiente, renováveis ou automação de edifícios.

Além disso, «a renovação energética profunda é frequentemente vista como um investimento elevado no que toca aos custos de produção, o que pode ser um obstáculo para muitos proprietários».

Integração de energia renovável nos edifícios

O relatório da ELPRE menciona ainda a necessidade de uma maior integração de energias renováveis nos edifícios. Os painéis solares fotovoltaicos têm sido uma das apostas, dada a vantajosa exposição solar na maior parte do território e a instalação simples destas fontes de energia; bem como as bombas de calor, especialmente as geotérmicas e as aerotérmicas, para a climatização e aquecimento das águas. Luís Mendes alerta que «a implementação em edifícios antigos pode ser desafiadora, mas com o avanço da tecnologia, têm se mostrado viáveis em muitos casos»

Já no que toca à reabilitação energética do edificado em Portugal as medidas mais comuns são a substituição de janelas e caixilharias, que melhoram substancialmente o conforto térmico e a redução as perdas de calor; e a melhoria do isolamento de fachadas e telhados, que têm um grande impacto no consumo energético.

Mas o investigador do CEG refere que «há outras medidas que têm sido mais negligenciadas, tais como: a instalação de sistemas de automação e gestão inteligente de energia, como termostatos inteligentes e sistemas de controlo de iluminação, que podem optimizar o consumo sem necessidade de grandes intervenções; e o aquecimento e refrigeração centralizados mais eficientes, que podem reduzir o consumo de energia a longo prazo».