A história repete-se? 880 anos de história de Portugal convidam-nos a refletir sobre lições de liderança passada que podemos capitalizar no nosso futuro. Os líderes de hoje precisam conhecer a história para aprender com ela, algo bem mais útil do que repeti-la.
Na véspera deste Natal cumprem-se 500 anos da morte de Vasco da Gama. Famoso em todo o mundo, o navegador do caminho marítimo para a India em 1498 fez cerca de 24 mil quilómetros para ligar Lisboa a Calecute. Porém, 80 anos antes, um outro navegador – o almirante eunuco chinês Zheng He – fez o dobro da distância para ligar a China à India e depois à costa leste de África. Para além da vantagem temporal, a frota chinesa era também significativamente maior em navios e tripulação. Se só o tamanho fosse determinante para o sucesso, o mundo hoje falaria de Zheng He e não de Vasco da Gama. Dado que tal manifestamente não sucede, o que podem aprender os líderes contemporâneos com este episódio da história?
As viagens
As três viagens de Vasco da Gama foram fundamentais para o estabelecimento das rotas marítimas europeias para a Índia. A sua primeira viagem (1497-1499) abriu a rota marítima direta entre os dois continentes, navegando em torno do Cabo da Boa Esperança e chegando a Calecute, garantindo o comércio de especiarias valiosas apesar da hostilidade inicial. A sua segunda viagem (1502-1503) foi uma expedição fortemente armada de 20 navios com o objetivo de afirmar o domínio português através da força militar, conduzindo a importantes vitórias navais e ao estabelecimento de entrepostos comerciais. Na sua terceira e última viagem em 1524, regressou como vice-rei à Índia portuguesa, mas morreu, de malária, pouco depois da chegada. Estas viagens lançaram as bases para o império colonial de Portugal e remodelaram a estrutura do comércio global.
As sete viagens de Zheng He (1405-1422, com a última em 1433) foram grandes missões diplomáticas e exploratórias promovidas pela Dinastia Ming para expandir a influência da China e estabelecer relações comerciais e de tributos no Sudeste Asiático e em todo o Oceano Índico. Comandando enormes frotas, o almirante eunuco Zheng He viajou até à Índia, Península Arábica e África Oriental. As suas expedições trouxeram bens valiosos, incluindo especiarias, pedras preciosas e animais exóticos como girafas. Estabeleceu laços diplomáticos com os diversos governantes ao longo das rotas, difundindo o prestígio chinês e garantindo tributos de terras distantes. Embora politicamente motivadas, as viagens da “Frota do Tesouro” do Trono do Dragão foram de natureza pacífica, enfatizando a diplomacia e o intercambio cultural, em vez da conquista ou colonização.
Diferenças de tamanho
As viagens de Vasco da Gama e Zheng He diferiram significativamente em termos de escala, dimensão da frota e design dos navios. A descoberta do caminho marítimo para a India de Vasco da Gama foi feita por uma pequena frota de 4 navios, cada um com 50-150 toneladas e 20-30 metros de comprimento, com cerca de 170 tripulantes, utilizando caravelas e naus destinadas a longas viagens oceânicas. Em contraste, as viagens de Zheng He contaram com frotas de até 300 embarcações, incluindo enormes navios denominados Baochuan com 120 metros de comprimento e 1.500 toneladas, apoiados por barcos de guerra e de abastecimento. As suas expedições transportaram cerca de 30 mil tripulantes, incluindo marinheiros, soldados, mercadores, diplomatas e eruditos/académicos, refletindo uma escala de poder marítimo sem paralelo na história naval pré-moderna. Os Baochuan mantiveram-se como o maior navio jamais construído até ao século XIX e tinham múltiplos decks com acomodações luxuosas, para além de inovações tais como compartimentos estanque e lemes equilibrados que tardaram mais de 400 anos a chegar à Europa.
As viagens de Zheng He foram muito maiores em termos de dimensão da frota, número de homens e complexidade logística. Porém, as expedições de Vasco da Gama, de menor dimensão, tiveram (e têm) um impacto duradouro através do estabelecimento de impérios coloniais europeus e de rotas comerciais.
Diferenças de impacto
As viagens de Zheng He não conseguiram ganhar notoriedade global devido às políticas isolacionistas da China e ao impacto limitado a longo prazo das suas expedições. Após a morte em 1424 do Imperador Zhu Di, grande impulsionador da Frota do Tesouro e mestre e amigo do eunuco por dezenas de anos, o seu filho e neto imperadores foram influenciados pelos confucionistas e decidiram abandonar a exploração marítima, desmantelando a frota de Zheng He e suprimindo os registos das suas viagens. Adicionalmente, as missões do almirante tinham-se centrado na diplomacia, na recolha de tributos e na demonstração do poder da China, em vez de estabelecer rotas comerciais ou colónias. Isto limitou o seu significado histórico fora da China, especialmente num mundo onde as potências europeias perseguiram agressivamente a exploração e a colonização.
Em contraste, as viagens de Vasco da Gama ganharam uma fama global duradoura porque remodelaram o comércio, a política e a história globais. As suas expedições ligaram diretamente a Europa ao lucrativo comércio de especiarias do Oceano Índico, desencadeando uma era de expansão colonial europeia. O Rei de Portugal, D. Manuel I, capitalizou o seu sucesso construindo um império marítimo, estabelecendo rotas comerciais a longo prazo e transformando a economia global. Além disso, as narrativas históricas da Europa, impulsionadas pelo seu domínio imperial, celebraram exploradores como Vasco da Gama como pioneiros da transformação do mundo, garantindo o seu legado na história global.
Em suma, apesar das diferenças de tamanho oferecerem uma vantagem competitiva a Zheng He, acabou por ser Vasco da Gama a ter o seu nome glorificado devido a (1) um propósito mais claro por parte de Portugal, (2) um impacto económico transformador no comércio mundial, (3) uma narrativa mais potente e (4) continuidade e desenvolvimento da expansão marítima portuguesa versus o isolacionismo chines do novo imperador.
Tamanho nos negócios
O tamanho nos negócios pode ser relevante, mas a sua importância depende do contexto e dos objetivos. As grandes empresas beneficiam frequentemente de economias de escala, o que lhes permite produzir bens ou serviços a custos mais baixos devido à compra em volume, à produção eficiente e ao acesso mais amplo ao mercado. Beneficiam também de um reconhecimento de marca mais forte, de influência no mercado e de melhor acesso a capital e talento. No entanto, a grande dimensão também pode levar a ineficiências burocráticas, inovação mais lenta e flexibilidade reduzida.
As pequenas empresas, por outro lado, são normalmente mais ágeis, focadas no cliente e capazes de se adaptar rapidamente às mudanças do mercado. Podem oferecer serviços personalizados e produtos inovadores devido ao relacionamento mais próximo com os clientes e aos processos de tomada de decisão mais simples. Em última análise, o sucesso nos negócios depende não apenas do tamanho, mas também de (1) possuir um propósito estratégico claro, (2) ter impacto económico no mercado, (3) desenvolver capacidade de inovar e comunicar eficazmente e (4) assumir o risco de servir as necessidades evolutivas dos clientes. Assim, o tamanho é um fator, mas não o único determinante do sucesso.
Epílogo
Os líderes contemporâneos podem aprender com este episodio histórico de expansão marítima do século XV. O sucesso é determinado não apenas pelo tamanho da empreitada e conquistas realizadas, mas também pela forma como elas são preservadas, compartilhadas e lembradas. Os líderes devem gerir ativamente o seu legado e garantir um impacto duradouro através de esforços sustentados.