Humildade na Liderança

Humildade na liderança é sinal de sabedoria. É um reconhecimento da condição falível do ser humano, da dependência da liderança dos liderados, e da complexidade dos desafios.

A ideia de que os líderes devem exibir uma boa dose de humildade no exercício da liderança e de que isso é benéfico para o desempenho e para a relação com os stakeholders, não é uma ideia nova. Já Jim Collins, no seu celebrado livro “De Bom a Excelente, falava da liderança de nível 5, onde a humildade e a modéstia figuravam como importante ingrediente. Nas palavras do autor: “Os líderes de nível 5 nunca ambicionaram ser heróis maiores do que a vida. Eles nunca aspiraram a ser colocados num pedestal ou tornar-se ícones inalcançáveis. Eles eram pessoas normais, que estavam silenciosamente a produzir resultados extraordinários”.

Estes líderes são descritos como indivíduos altamente capazes, que contribuem para a equipa, gestores competentes, lideres eficazes, resolutos e humildes. O mito do CEO “senhor do universo” que sabe todas as respostas foi fortemente abalado desde a bolha das dotcom e a crise financeira global da primeira década deste milénio. Mas nem por isso a humildade na liderança passou a ser a norma, infelizmente.

Recordo, por exemplo, que em Dezembro de 2021 dei uma Masterclass numa escola de negócios do Norte do país, sobre a liderança do CEO durante um turnaround. Ao explicar e advogar um estilo de CEO que cria um ambiente na C-suite onde os seus executivos (em particular o CFO, particularmente saliente num processo de reestruturação / reorientação estratégica) possam discordar frontalmente do CEO, senti um murmúrio no anfiteatro. Uma jovem presente então pergunta: “Professor, mas ouvimos um orador que nos disse que o CEO para ser bem-sucedido tem de dar um certo medo. Concorda?”. Respondo mais ou menos isto: a evidência aponta para que esses CEOs recebam só boas notícias dos seus reportes diretos e que não sejam alertados pela equipa para riscos de decisões importantes. Criam uma distância ao resto da equipa executiva e ainda mais aos outros níveis de gestão que em nada ajudam a criar uma organização saudável, inovadora e de serviço. Muitas vezes a necessidade de liderar com uma dose de medo, é apenas reflexo de inseguranças próprias”.

Portugal continua a apresentar uma distância ao poder nas organizações gritante. Bem sei que é própria dos países do Sul da Europa, mas já era tempo de aprendermos alguma coisa.

Vivemos tempos paradoxais. Por um lado, em tempos de grande incerteza e complexidade, que exigem dialogo e colaboração, lideranças humildes têm importantes vantagens para regenerar as relações com stakeholders, colaborar com outras empresas, e reconhecer o contributo dos demais. Por outro, vemos cada vez mais a liderança exercida nas redes sociais e nas televisões e menos nas organizações e na proximidade com as pessoas. As organizações em Portugal são demasiado centradas nos seus líderes. Organizações demasiado centradas nos líderes estão dependentes da qualidade dos mesmos, e não se desenvolvem na totalidade.

Um estudo largamente citado, examinou a humildade dos CEOs em 105 empresas de software e hardware nos Estados Unidos, e concluiu que os CEOs vistos pelos seus CFOs como mais humildes, lideravam equipas de topo com mais colaboração, maior partilha de informação, tomada de decisão conjunta e visão partilhada.

Não significa que líderes menos humildes não possam ter sucesso, mas esse sucesso é sempre feito à custa da organização, porque não desenvolve as equipas. Humildade não quer dizer falta de ambição, ou que o líder se deve colocar num plano inferior. Humildade na liderança é sinal de sabedoria. É um reconhecimento da condição falível do ser humano, da dependência da liderança dos liderados, e da complexidade dos desafios.

Os meus votos para o ano de 2025 são simples. Que os líderes nos mais variados sectores possam reflectir na sua prática e eventualmente rever como lideram as suas equipas e organizações e como se relacionam com os stakeholders. Portugal precisa de convocar a vontade e a energia dos Portugueses para a construção de um futuro melhor. Isto só se consegue com líderes mais humildes, mais próximos, capazes de mobilizar pelo exemplo e de puxar pelo potencial que existe em cada um.

Temos uma larga história em Portugal dos tais líderes que se congratulam de “gerar um certo medo”, que se colocam no pedestal, distantes das pessoas e quase intocáveis. Os resultados dessas lideranças estão aí para todos vermos.  Não conseguimos aproveitar o talento que geramos e acelerar a nossa capacidade de inovação de forma significativa. Com tantas escolas de gestão no topo dos rankings internacionais face ao tamanho do país, também estas devem reflectir nos modelos de liderança que ensinam.

E, porque isto é um desafio de todos, também eu farei essa reflexão. Humildade para reconhecer o erro e as limitações. Humildade para reconhecer o valor do outro. Humildade que agregue e encoraje a fazer mais e melhor.

Professor de Governance, Henley Business School, Reino Unido, e Partner na AMROP