Como funciona a ideia de influência de escolhas e como se pode aplicar?
O nudging é uma abordagem de políticas públicas baseada na economia comportamental. Aliás, foi Richard Thaler a ganhar o Prémio Nobel da Economia com a teoria do nudge que o nudging ganhou algum destaque internacional em 2017 e, a partir daí, começou-se a falar disso. Mas já vem de trás com outras experiências.
No fundo, esta abordagem visa influenciar efetivamente as escolhas dos cidadãos, mas sem restringir as opções, ou seja, distingue-se das regulações rígidas como, por exemplo, os impostos, as taxas, os subsídios. Isto é aquilo que normalmente as políticas públicas utilizam e usam insights, isto é, a evidência científica que existe sobre como as pessoas tomam decisões, as tais arquiteturas de escolha que vão facilitar escolhas que sejam desejáveis e benéficas para o cidadão.
Uma das dificuldades de implementação do nudging diz respeito à falta de transparência relativamente ao tema e à falta de transparência relativamente à sua implementação e pode pejorativamente ser associado a uma manipulação.
Isso pode ser um entrave?
O nudging tem de respeitar princípios éticos, tem de respeitar a autonomia dos cidadãos e ser absolutamente transparente. O nudge tem de facilitar escolhas que beneficiem as pessoas ou a sociedade, ou seja, nunca manipular essas escolhas.
Posso dar um exemplo, quando criamos mecanismos para facilitar o pedido de reforma de um cidadão, incentivando-o com um plano de reforma atrativa, apetecível que se traduza em benefícios, o cidadão tem de ter sempre a opção de não escolher esse plano, ou seja, a opção de não aceitar é sempre dele. E esse plano tem de se traduzir sempre num incentivo e o nudge trabalha sempre com incentivos positivos para uma ação em concreto.
Nos estudos que fiz de casos, quer dos Estados Unidos, quer do Reino Unido há centenas de exemplos concretos, desde a saúde, à reciclagem, à alimentação, etc. Colocar, por exemplo, a alimentação saudável na frente mais exposta e a alimentação não saudável ou fast-food mais ao fundo e menos acessível torna mais apetecível a escolha e o consumo do alimento mais saudável, mas não impede o consumo de fast-food. O que fazemos é tornar mais apetecível a comida saudável. Por exemplo, se vir num jardim uma placa a dizer obrigada por não pisar tem um efeito em mim completamente distinto do não pisar a relva, mesmo que digam por favor.
Dá ideia do proibitivo…
Exatamente. Ou seja, é mexer com um dos princípios básicos da condição humana que temos que é o do compromisso e o da aprovação social. Temos vários princípios que regem os nossos guias cognitivos e a psicologia comportamental está muito envolvida nisto e sabemos que para determinados estímulos temos um efeito.
Então o que a economia comportamental nos diz é que se trabalharmos ao nível da aprovação social, ao nível da afinidade há um conjunto de princípios da reciprocidade e do compromisso que são princípios básicos da psicologia da condição humana que sabemos que trabalhando quer por mensagens, quer em atos concretos vamos ter um determinado comportamento e uma adesão a uma medida que provavelmente não teríamos se fossemos pela sanção ou pelo forçar.
Pode ser implementada mais em determinadas áreas ou setores do que em outros?
Tenho exemplos de implementação de forma muito abrangente. É óbvio que há áreas que são de intervenções mais simples. É o caso da comunicação e da mensagem que são intervenções normalmente de baixo custo e com grande impacto. Por exemplo, no Reino Unido foi enviado uma carta aos incumpridores no caso de cobrança de impostos, em que dizia aos contribuintes que nove em cada dez pessoas na região deles pagavam os seus impostos.
Isto coloca uma pressão social da aprovação e do compromisso perante o que o cidadão faz, mobiliza-o e com isso aumenta as taxas de pagamento, reduzindo o nível de incumprimento e os processos judiciais de uma maneira exponencial. É uma coisa que tem efeitos práticos e o facto de a mensagem nos colocar num grupo pode fazer toda a diferença. Aliás, as empresas de eletricidade fazem muito isso para baixar o consumo de energia, dizendo por símbolos verdes, vermelhos e amarelos na fatura de eletricidade em que patamar estamos e podemos estar entre os que têm um consumo mais eficiente ou podemos ter um consumo muito superior à média.
Este tipo de mensagens de comparação é o tal viés cognitivo da aprovação social. E como funcionamos em grupos, este tipo de mensagens mexem muito com o pensamento humano, com o nosso comportamento e acabamos por reagir em conformidade.
No caso da prevenção de saúde há uma área que é sempre muito explorada que é a mobilização para a vacinação. O facto de fazermos uma mensagem de texto a lembrar as pessoas com o seu nome, identificando-as e dizer que a dose está reservada para si aumenta automaticamente a adesão às campanhas de vacinação, especialmente e curiosamente nos grupos em que há baixas taxas de cobertura de vacinação. Esse tipo de personalização da mensagem tem um baixíssimo impacto do ponto de vista financeiro, mas tem um impacto incrível nos resultados.
Isso implica mudar não só comportamentos mas também mentalidades?
O nudging é uma abordagem inovadora que causa alguma resistência, mesmo a nível académico por causa da questão da transparência e da questão da manipulação.
Tem de haver uma maior preocupação em termos éticos?
Certamente que tem de haver. Qualquer matriz tem de apostar na transparência de comunicação, até porque a eficácia das medidas depende da capacidade de envolver os cidadãos na tomada de decisão. O nudging pode ser aplicado e exploro isso na minha tese nas cinco fases do ciclo de políticas públicas. Pode ser aplicado desde o agendamento, colocar um tema na agenda, pode ser aplicado desde a formação, desde a implementação à tomada de decisão e avaliação.
Sou totalmente contra do ponto de vista académico da defesa do nudging como substituição de todas as ferramentas de políticas públicas. Há coisas que têm de ser obrigatoriamente feitas com outras ferramentas tradicionais. O cinto de segurança, por exemplo. O cinto de segurança enquanto não foi imposto, as pessoas não o usavam e não há racionalidade que justifique não usar o cinto de segurança, até pelo contrário, Se calhar, hoje em dia, se não fosse obrigatório, continuaríamos a não usar o cinto de segurança.
Há áreas em que isto é obrigatório e o nudging tem de ser visto como complementar a outras ferramentas que podem ser usadas, mas para isso é preciso identificar dentro das várias áreas de que forma é que pode contribuir para facilitar, usando uma parte da política baseada em evidências.
Pode-se adaptar mais ou menos consoante as especificidades de cada país?
Claro, o contexto cultural dos países é muito importante, até porque o contexto altera o ambiente em que vivemos e condiciona-nos do ponto de vista de comportamento humano. Uma medida que tenha imenso sucesso num país não é automaticamente garantido que tenha sucesso num país completamente diferente. Pode-me dizer que este ambiente pode funcionar em democracia e que em ditaduras nunca funcionaria. Provavelmente, nas ditaduras não haveria sequer esta abertura.
Mas dentro das diferentes democracias, de geografias diferentes, vamos encontrar situações, provavelmente em que há resistência a determinadas medidas, como a adoção de sacos de papel em vez de sacos de plástico, etc.
Há várias experiências que resultaram em alguns países e noutros foram fiascos porque culturalmente o país não estava preparado para isso, as pessoas não tinham as mesmas preocupações e aquele empurrão especificativo, aquele incentivo não se traduz em nada para aquelas pessoas.
É preciso sempre analisar qual é o público envolvido e depois perceber como podemos desenhar para aquele público-alvo.
Em relação a Portugal ainda há um grande caminho que temos pela frente?
Acho que sim, tive a oportunidade de falar com dois ex-ministros que tiveram tutelas que poderiam desenvolver estas áreas. Estou a falar de Alexandra Leitão e de Poiares Maduro para perceber se achavam que Portugal teria terreno fértil para isto ou não, e ambos deram-me um cenário muito parecido.
Curiosamente, em relação à nossa resistência, somos um país conservador e somos muito conservadores também na forma de fazer política. E, portanto, isto é uma abordagem inovadora e como em todas as outras abordagens inovadoras há sempre medos. O foco do decisor político é fazer abordagens que sejam bem aceites pela comunidade e, às vezes, não implica um processo de abertura tão transparente e é preciso haver uma total transparência na ação política para que o nudging funcione.
E depois, mesmo nessa transparência é preciso estar aberto, adaptar até chegar à conclusão que, eventualmente, há situações em que o nudging não se aplica ou que não é a solução correta. Essa resistência parece que ainda existe em grande parte por desconhecimento. Mas temos de começar a educar para isso, as pessoas têm de começar a ficar sensibilizadas para o nome que se dá.
No entanto, há exemplos que são praticados em Portugal que são de nudging há muitos anos e que não chamamos isso. É o caso da fatura da sorte das Finanças. É uma medida de combate à economia paralela. É uma medida de incentivo a que os cidadãos peçam fatura, premiando-os ou dando-lhes a possibilidade de fazendo esse ato poderem ser contemplados com um prémio.