Meio milhão de empregos em Portugal podem estar em risco na próxima década devido ao impacto da Inteligência Artificial. A conclusão é de um estudo da Randstad, que também conclui que, até 2030, a mesma tecnologia poderá criar 401 mil novos postos de trabalho, com novas competências.
A nível mundial, as mudanças no mercado de trabalho já se começam a sentir e o receio de quem teme ver o seu trabalho substituído por máquinas está a aumentar.
Um estudo recente da consultora LHH confirma esta tendência. 73% das empresas já estão a realizar ou a considerar alterações à sua estrutura de recursos humanos, revela o estudo “Outplacement and Career Mobility Trends Report 2024”, que resulta do inquérito a mais de 3 mil líderes de recursos humanos e 8 mil trabalhadores de colarinho branco em nove países – quatro dos quais fora da Europa: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Brasil.
As principais conclusões mostram que 36% dos trabalhadores continuam preocupados com a possibilidade de serem despedidos, enquanto 31% consideram mudar de emprego nos próximos 12 meses. A estes, juntam-se mais 26% que declararam que estão a considerar fazê-lo num prazo mais alargado.
Já do lado dos responsáveis de recursos humanos, 25% mostram-se preocupados com o esgotamento das equipas de trabalho em resultado dos despedimentos.
Pedro Rocha e Silva, managing director da LHH | DBM Portugal, destaca a «necessidade de haver melhor comunicação e apoios necessários para os colaboradores que estão de saída».
«Tomar medidas para garantir que os colaboradores despedidos estão bem familiarizados com os apoios disponíveis é essencial para manter o seu foco na necessidade de procurar uma nova saída profissional», explica o gestor. E acrescenta: «Isso garante goodwill à empresa e mostra aos colaboradores que existe uma preocupação da empresa em fazer o que entende correto, mesmo em condições difíceis».
O exemplo da Ascendi
A Ascendi, uma empresa de gestão de ativos, que presta serviços de cobrança de portagens e gere a operação e manutenção de infraestruturas rodoviárias, é uma das empresas portuguesas que já começou a implementar tecnologias de IA nas suas atividade, como os chatbots.
Neste caso, a IA «tem permitido a automatização de algumas tarefas e a uniformização de procedimentos, garantindo respostas mais rápidas e homogéneas para os nossos clientes», explica uma porta-voz da Ascendi ao Portugal Amanhã. «Isso permite, por um lado, que os colaboradores se possam redirecionar para atividades de maior valor acrescentado e, por outro, que a empresa possa escalar as suas operações de forma mais ágil, nomeadamente no âmbito da expansão para mercados internacionais, onde é fundamental operar com recurso a diferentes idiomas sem comprometer a qualidade».
Até agora, a empresa garante que ainda não houve qualquer necessidade de acabar com postos de trabalho. «A nossa abordagem tem sido a de privilegiar que os colaboradores se possam concentrar em atividades que exigem avaliação crítica e libertá-los das que respondem a respostas tipificadas a problemas conhecidos. O crescimento da nossa atividade tem permitido não ser necessário a redução de postos de trabalho». E acrescenta que tem intenção de continuar a testar a adoção desta tecnologia em novos processos.
Mas um dos desafios da Ascendi tem sido encontrar profissionais especializados em IA. «Não é fácil porque o mercado de trabalho e o próprio contexto académico estão ainda a adaptar-se a esta nova tecnologia».
«A aplicação de IA, especialmente em contexto de atendimento ao cliente, requer competências para integrar e orientar o uso dessas ferramentas de forma a acrescentar valor e melhorar a experiência dos clientes. Se não garantirmos essas competências, corremos o risco de os outputs gerados pela IA não serem relevantes e o impacto no cliente ser negativo. Nesta fase, é no desenvolvimento dessas competências que queremos investir».
Se é verdade que a grande preocupação relativa à IA tem sido a substituição de colaboradores, a boa notícia é que, tal como na Ascendi, até agora, essa não tem sido uma realidade nas empresas portuguesas.
De acordo com um um inquérito da Randstad a 160 organizações, mais de 90% das empresas que recorreram a esta tecnologia não registaram alterações significativas na dimensão da sua força de trabalho.
Segundo a análise, pouco mais de 6% das empresas registaram um aumento do número de trabalhadores devido à utilização da IA, enquanto em apenas 3% dos casos as empresas reduziram o número de trabalhadores. O estudo alerta, no entanto, que não significa que estes efeitos se mantenham no futuro, «à medida que as empresas aprofundam a sua utilização da IA».
A maioria das empresas inquiridas (62,7%) já utiliza IA para uma grande variedade de funções, principalmente análise de dados, otimização de tarefas administrativas, automatização de processos e atendimento ao cliente.
Mas a utilização de IA ainda é muito incipiente nas pequenas empresas, ao passo que está muito mais difundida nas de maior dimensão, onde é mais fácil encontrar a possibilidade de fazer o investimento tecnológico necessário.
Competências Tecnológicas
As empresas que introduziram a IA em alguns dos seus processos enfrentaram desafios em termos de competências, refere o mesmo estudo. Em 75,8% dos casos, a importância de ter competências tecnológicas especializadas entre os seus trabalhadores aumentou.
Para suprir esta necessidade, 72,7% das empresas estão a disponibilizar formação relacionada com a IA, como forma de requalificar os próprios colaboradores.
4 em 10 estão preocupados
A preocupação dos trabalhadores relativamente à IA não está apenas associada ao risco de perder o emprego, mas também à maior dificuldade para encontrar uma nova oportunidade profissional no futuro.
Enquanto 18,8% dos trabalhadores estão muito preocupados com este aspeto nos próximos 12 meses, esta proporção aumenta para 40% quando o horizonte de referência é a próxima década.
Apesar disso, apenas 23,3% dos trabalhadores acreditam que a IA pode reduzir o valor de mercado das suas próprias competências. Assim, 49,9% acreditam que a IA é uma oportunidade e que os poderá tornar mais produtivos.
Por outro lado, a proporção de profissionais com competências específicas em matéria de IA não é muito elevada. 63,1% dos trabalhadores concordam que precisam de formação neste domínio.
«É fundamental formar as pessoas na tecnologia e avançar com a definição clara de processos assim como com a adopção de pilotos de sistemas de IA em casos específicos, para se ir ganhando experiência de implementação», defende o ex-presidente do Instituto Superior Técnico e especialista em IA, Arlindo Oliveira.
O valor da formação
Enquanto outros países avançam a passos largos pelo mundo da IA, Portugal ainda está – lentamente – a arrancar. Sobre isto Arlindo Oliveira refere que «o ritmo de adopção da IA em Portugal será limitado pela falta de processos bem definidos que caracterizam a maior parte das nossas organizações» e alerta que «sem essa definição, a IA dificilmente poderá ser usada de forma eficaz».
«Dada a nossa baixa produtividade, as lacunas em termos de pessoal qualificado e a nossa falta de competitividade no mercado internacional, a utilização de IA e a eventual redução das necessidades de pessoal qualificado serão essencialmente boas notícias. Acredito que não haverá qualquer impacto negativo através da destruição de emprego», acrescenta.
Sobre o futuro, assume que «muitas funções hoje desempenhadas por seres humanos, no apoio ao cliente, apoio jurídico, vigilância, processamento administrativo de documentos, etc, poderão ser desempenhadas por IA». Já no mundo físico, em funções como limpeza, serviço em hotéis e restaurantes, «essa evolução será provavelmente mais lenta e terá ainda pouco significado daqui a 10 anos»