“Queremos tornar Portugal no ponto de retorno de missões espaciais”, afirma presidente da Agência Espacial Portuguesa

Os Açores vão ser o ponto de aterragem do primeiro vaivém espacial europeu, em 2027. E este ‘é só o início do futuro’, garante o Ricardo Conde, que alerta para uma corrida à ‘militarização do espaço’.

O que motivou a escolha da sede da Agência Espacial Portuguesa nos Açores? Uma das motivações da criação da agência foi exatamente a oportunidade para Portugal, através dos Açores, de ter este potencial para atuar no acesso e retorno do espaço. Nesse âmbito, em termos de território, há potencial de ser feito através dos Açores, em particular em Santa Maria. A sede faz parte de algo mais alargado, que é o Centro Tecnológico Espacial de Santa Maria, o desenvolvimento de um pequeno ecossistema muito ancorado nestas duas capacidades: o acesso ao espaço e o retorno do espaço.

Há planos para construir um centro de lançamento ou uma base de operações permanente nos Açores? Claro que sim. O acesso ao espaço acaba por ser uma atividade comercial que dá resposta, através de Portugal, às necessidades de competitividade da Europa no acesso ao espaço, ao diversificar os lançamentos. O exemplo mais conhecido de negócio de acesso ao espaço é o SpaceX. Aqui nos Açores não estamos a falar dessa dimensão, mas de micro-lançadores  [de satélites]. Temos já empresas interessadas para as quais serão feitos pedidos de licenciamento. Essa será uma atividade que deverá decorrer, com alguma expressão, já em 2025.

O acesso ao espaço é um conceito de privados e um negócio emergente na Europa, principalmente de pequenos lançadores. 2025 vai ser o ano em que se vai perceber a maturidade destes pequenos lançadores, porque é quando se iniciam as operações daquele que tem sido um ciclo de desenvolvimento de mais de 5 ou 6 anos para chegar a um protótipo para lançar. Em 2024 já houve alguns testes, mas 2025 vai ser o ano chave para isso. Para algumas missões queremos ainda estabelecer, em Santa Maria em particular, através do Centro Tecnológico Espacial, um hub ou um ponto de acesso e de retorno do espaço e das missões espaciais.

Que empresas já demonstraram interesse em investir? Não posso dizer. Aquilo que posso avançar é que algumas licenças vão entrar muito brevemente. Isto é sempre uma iniciativa das empresas. Há inclusive interesse em fazer parcerias connosco, principalmente devido ao Centro Tecnológico Espacial que vamos construir, que agrega já sinergias de várias empresas. O grande objetivo é que esse centro tecnológico esteja lá para ajudar as empresas, que podem alugar capacidades e fazer lá a sua atividade.

Essa necessidade de licenciamento poderá vir a ser um obstáculo ou representar um atraso nos projetos? O quadro legal da lei espacial está todo estabelecido para as empresas submeterem os seus pedidos de licenciamento. O nosso objetivo é fazer com que a lei espacial seja atrativa, rigorosa, atrativa e célere. Penso que temos dado provas de que isso é possível, em particular pelo licenciamento dos lançamentos de alguns satélites, que já foram feitos e que vão ser feitos. Estes licenciamentos têm sido feitos rapidamente, em menos de um mês. Isso foi sempre um princípio que defendemos em relação à lei espacial que tem de ser um instrumento de competitividade e temos de ser céleres.

Já foi confirmado que o vaivém europeu Space Rider vai aterrar nos Açores, mas isso exige infraestruturas e preparação significativas. Portugal tem os recursos necessários para cumprir essas exigências? Essa avaliação já começou há mais de 5 anos. Houve outros locais e há outros locais – porque a aterragem implica sempre um local de backup – e, desde o início, sempre estiveram equacionadas duas potenciais localizações: uma na Guiana Francesa (onde o próprio Space Rider descola através do rocket Vega) ou em Santa Maria. Os estudos chegaram à conclusão que Santa Maria era o local privilegiado devido às condições de segurança, à sua localização, mas também por ter capacidade para as instalações necessárias para aterrar o Space Rider.

Há um conjunto de infraestruturas que já foram desenhadas e vão começar a ser construídas já no início do primeiro semestre de 2025: o Landing Base, a área de aterragem; o Processing Facilities, todo um conjunto de condições para quando o Space Rider aterrar e um centro de operações de segurança. Vai haver também uma experiência científica portuguesa no voo inaugural, portanto, Portugal participa neste programa em três dimensões: na construção do veículo, no ponto de retorno/aterragem (Landing Site) e também na parte científica.

Esse investimento acaba também por impactar a economia local da ilha e a geração de postos de trabalho… Claro que sim. Qualquer atividade tem esse impacto. Mas a grande questão é olharmos para o futuro. Qual é a grande motivação nisto? A utilização do espaço vai passar por uma economia circular espacial. A reutilização é um conceito extremamente importante e, na Europa, ainda não existe um ponto de retorno do espaço. E é isso que queremos fazer para o futuro. O Space Rider será extremamente importante, mas é apenas um ponto de partida para aquilo que serão os novos veículos do futuro. O que a agência quer fazer é posicionar Portugal, e em particular a Santa Maria, como um ponto de retorno do espaço. Queremos tomar essa dianteira, é esse o grande objetivo.

Como olha para o futuro da indústria espacial daqui a 20 anos? Portugal tem potencial para se tornar um player de destaque nesta área? Já vivemos neste momento uma expectativa de uma corrida espacial que nos poderá levar uma maior permanência em órbita, com novas estações internacionais, uma economia espacial em órbita, a criação de habitats na Lua, a deslocação a Marte, a extração de recursos, etc. Levantam-se muitas questões complexas sobre o domínio de algo que não é de ninguém e é de todos. Colocou-se essa questão sobre a delimitação no mar e chegou-se a um acordo e tem de se fazer o mesmo para o espaço. Na Terra já vemos o posicionamento estratégico da China, dos EUA e da Rússia em várias áreas para estabelecer domínio sobre certo território. Isso não será diferente naquela que poderá ser uma ‘militarização do espaço’. Tudo estará dependente do custo de acesso ao espaço, que tem vindo a diminuir consideravelmente.

Se olharmos para a escala da SpaceX, da Amazon – que se vai posicionar de uma forma brutal -, que são os privados, ou para a perspetiva da China, que compete com o global – e que se calhar chegará à Lua primeiro do que os EUA ou do que outros players – onde é que Portugal se pode posicionar? Se tivermos sucesso nos Açores e nos pequenos rockets temos a possibilidade de ter fast response, ou seja, poder lançar um satélite em dois, três dias, porque não estamos num mercado mass market. Portugal está preparado para fazer coisas em grande escala? Não, mas por isso é que é importante funcionarmos em cooperação internacional. Daqui a 20 anos vamos ter uma presença no espaço e Portugal também terá o seu papel na cadeia de valor, seja ele qual for.