Aos 20 anos sonhava ser pintor, mas acabou por pintar um futuro muito diferente na área das revistas de moda. José Santana transformou a sua paixão artística numa referência na moda editorial e hoje é co-proprietário da LightHouse, editora responsável pela Vogue e pela GQ em Portugal, e o responsável pela direção criativa das icónicas capas da Vogue Portugal.
Nesta entrevista exploramos o seu processo criativo por trás de cada capa, a reinvenção do papel como meio relevante no mundo digital e como a sua trajetória se entrelaça com o futuro da moda, do design e da tecnologia.
Como começou a sua carreira no mundo da moda e das revistas? Sempre foi o seu plano desde o início ou aconteceu naturalmente?
Não, nunca foi parte do plano. Quanto tinha uns 20 anos achava que ia ser pintor. Passava os dias e as noites a pintar no meu quarto e era isso que achava que ia ser. Um dia vi um anúncio de emprego num jornal para integrar a equipa de arte. Só quando fui à entrevista é que soube que era para o cargo de designer gráfico na revista Máxima. Fiquei, experimentei e desde aí que estou no mundo das revistas, mas nunca foi o meu plano. A moda sempre foi o DNA das revistas em que estive, mas essa nunca foi a minha área.
Mas como acabou à frente de uma editora, que hoje edita tanto a Vogue e como a GQ em Portugal?
Quando a GQ fechou em Portugal era o diretor da revista e tive pena que acabasse em Portugal. Andei atrás de investidores, mas ninguém estava interessado porque já na altura havia a ideia de que o papel estava a morrer. Foi aí que eu, a Sofia Lucas e mais umas pessoas decidimos que seríamos nós a apostar na revista. Para isso, tínhamos de abrir uma editora e foi assim que surgiu a Lighthouse, em 2015.
A digitalização e as redes sociais estão a transformar o consumo de moda e revistas. O papel pode estar mesmo com os dias contados? Já ouço que o papel acabou há anos. Na altura, havia coisas que se dizia que eram o futuro, como as revistas em Ipad ou os blogues, e que hoje já ninguém usa. Acho que o papel já provou que vai sobreviver, mas de uma maneira diferente. Há quem diga que as revistas e as publicação são, hoje em dia, quase um bem de luxo. Não sei bem qual é a definição de luxo, mas sem dúvida que o papel tem de ser mais relevante. A verdade é que o papel já se reinventou. Pelo menos, é o que nós temos feito. Acho que as nossas duas revistas nunca estiveram tão sólidas porque temos reconhecimento internacional e vendemos para o mundo inteiro.
Neste momento conseguem sobreviver só do papel?
Desconfio que, em qualquer editora que tenha publicações impressas, o papel ainda é o que dá mais dinheiro. Pelo menos a nós, sim. Às vezes, falo com pessoas do meio e sentem-se todas muito apreensivas. Percebo que estejam apreensivas mas, ao mesmo tempo, não é altura para estar apreensivo, é a altura de fazer coisas novas.
Hoje em dia, há uma juventude que descobriu as nossas revistas e as vê como um objeto completamente novo, enquanto as pessoas de uma certa idade veem as revistas como uma coisa antiga. A nova geração, que nasceu com o online e com os sites quando encontra algo físico quer sentir qualidade e sentir que gastou bem o seu dinheiro e o seu tempo.
Acho que aliamos bem a tecnologia ao tradicional. A nossa revista em papel tem QR Codes que direcionam para vídeos com as entrevistas ou fashion films, já fizemos algumas capas com realidade aumentada, em que as pessoas podem ver a capa a ganhar vida através da nossa app. No fundo, aliámo-nos a este novo mundo, em que estamos com uma revista em papel, mas com o telemóvel ao lado.
Como é o processo de conceção e criação de uma capa icónica da Vogue? Existe uma fórmula ou cada capa é completamente única?
A capa tem de ser a que melhor representa a edição. Todas as edições da Vogue têm um tema e a fotografia tem de representar bem esse tema. Às vezes temos fotografias fantásticas para capa, mas não refletem o conteúdo da edição, por isso são são consideradas. O processo passa muito por sentir a revista e o que é que ela traz de melhor lá dentro.
Há alguma capa que o tenha marcado?
Há várias, mas destacaria, por exemplo, a capa do beijo da Vogue (Editorial “Freedom on Hold”), na altura da pandemia. Foi uma capa que foi falada no mundo inteiro e que fez com que, de repente, os olhos se voltassem para Portugal. Foi uma capa que entrou para história por causa do seu impacto.
Chegámos a receber reviews do público, mandaram-nos fotografias incríveis do mundo inteiro a recriar a imagem da capa e a darem um beijo com as máscaras na altura da covid. Há uma edição que também foi bastante especial, porque foi a primeira vez na história da Vogue e da GQ do mundo inteiro, que ambas as revistas integraram uma edição única. Uma das revistas estava na capa e quando a pessoa virava a revista tinha a outra na contracapa. Foi feita também na pandemia para simbolizar o estarmos todos juntos.
Olhando para trás daria algum conselho ao José Santana no início da carreira?
Às vezes penso nisso. Já tenho 56 anos e penso ‘porque é que não comecei isto há mais tempo’”, mas, por outro lado, também acho que se tivesse começado isto há mais tempo não teria a experiência que tenho hoje e nem acho que o conseguiria fazer. O conselho que poderia dar é ‘não desistas’, mas também acho que não precisava disso porque na verdade nunca pensei em desistir.
Que papel é que a Vogue e a GQ desempenham na promoção da moda portuguesa no exterior?
A Vogue Portugal ser considerada por muitos uma das melhores Vogues do mundo é logo uma ajuda para a moda nacional. Por exemplo a Vogue Itália sempre foi muito forte e só isso ajuda toda a moda italiana. Como vendemos para o estrangeiro é ótimo para os designers nacionais. Outras Vogues internacionais já pedem os shootings de moda da Vogue Portugal, por isso acho que isso acaba por ter uma importância e um peso que nem dá efetivamente para medir. É lógico que os designers portugueses depois têm de se destacar por eles, mas acho que é uma ajuda enorme terem esta exposição.
Já pensou na possibilidade de utilizar a Inteligência Artificial (IA), como ferramentas de design ou edição, no desenvolvimento de conteúdos para a Vogue ou GQ?
Na Inteligência Artificial aplicada ao Photoshop, apesar de ser uma ferramenta digital, continua a ser o humano a ter o comando. Nesse caso acho que vai ser um acrescento importante ao design e uma ajuda ou poupança de tempo. Já utilizar Inteligência Artificial para fazer entrevistas ou tratar da paginação, mesmo que o faça irrepreensivelmente bem, enquanto estivermos aqui, nunca vai acontecer. A IA é dos maiores desafios que vamos ter.
A IA representa mais uma ameaça ou uma oportunidade para criativos na moda e nos media?
Representa muito mais uma ameaça do que uma ajuda. Muitas vezes as facilidades têm o seu preço e acho que aoo princípio vai parecer uma ajuda incrível e no fim não vai ser. Vai haver uma tendência cada vez maior para criar tudo dessa maneira, seja escrever uma frase em segundos ou decidir uma imagem. Costuma-se dizer que o cérebro também tem de ser exercitado e se deixarmos de o exercitar e se for a Inteligência Artificial a trabalhar por nós, acho que vai ser horrível.
Como é que vê ou como é que gostaria que fosse o futuro da GQ e da Vogue em Portugal?
O futuro é a coisa mais incerta que há. No futuro mais próximo posso dizer que a LightHouse vai lançar uma nova revista no próximo ano, com a nossa chancela e editada em inglês. A ideia é ser uma revista internacional feita em Portugal. Queremos que no futuro a GQ e a Vogue possam ser sempre elas próprias. Às vezes é impossível fazer o que temos na cabeça e o que imaginámos em revistas como a Vogue porque até pode dar prejuízo por ser tão caro de fazer. Mas se há uma edição especial que precisa de ter uma peça mais cara, nós vamos fazê-la na mesma porque acho que também é uma forma de fazermos a nossa parte para o papel sobreviver