A proposta de Orçamento para 2025 (OE25) não deixa de refletir a atual repartição de poder na Assembleia da República. Parece-me claro que a proposta que o governo apresenta não teria lugar numa situação em que este tivesse um maior apoio parlamentar ou mesmo uma maioria absoluta, sendo fortemente condicionada pela intenção de a ver aprovada por um conjunto de partidos que comungam uma visão diferente dos interesses do país em termos económicos e de bem-estar social e que têm opções diversas sobre as políticas públicas.
Nomeadamente nas matérias que o principal partido da oposição considerou essenciais para que pudesse vir a viabilizar a proposta do Governo, este afastou-se significativamente daquilo que era a sua visão inicial apresentada logo na campanha para as eleições do início deste ano. E, ao fazê-lo, aproximou-se bastante do que foram sendo indicadas como as famosas “linhas vermelhas” socialistas.
No primeiro desses temas, relativo ao imposto sobre os rendimentos dos indivíduos mais jovens, houve convergência e, do meu ponto de vista, uma melhoria na conceção da proposta. Ao acolher as sugestões do PS, nomeadamente na modulação da redução de taxas, a proposta final do executivo é mais equilibrada que a inicial e reduz a dimensão do custo final da medida e a iniquidade que ela representa face aos demais grupos etários.
Também a proposta de alteração do Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) reflete o condicionamento político e negocial atual, afastando-se muito das intenções iniciais do executivo e das necessidades da economia portuguesa.
A defesa que o governo tem feito de uma redução da taxa de IRC não só é correta, como urge realizar, uma vez que Portugal é, neste momento, o país com a taxa de IRC mais elevado da União Europeia. Isto é verdade quer no que toca à taxa máxima quer à taxa efetiva, como foi recentemente publicado pelo Instituto +Liberdade.
Entre nós, o imposto tem também uma estrutura complexa e uma miríade de alterações que afastam a realidade atual da simplificação pensada há 35 anos quando foi introduzido. Acresce ainda que mantém um regime em que há, de facto, uma taxa de IRC progressiva em função de métricas de dimensão das empresas.
Isto é um erro, embora eu duvide que o governo consiga aprovação para o fim desta progressividade. Trata-se de um desincentivo ao crescimento empresarial, tanto mais surpreendente quanto sabemos que as maiores empresas têm níveis de produtividade muito mais próximos das dos países mais ricos da UE do que as demais.
Já no que respeita ao IRS, há ainda uma redução para a generalidade dos contribuintes em sede deste imposto (apenas uma parte das famílias, aquelas que se encontram na aba direita da distribuição de rendimentos) uma vez que os escalões (que se mantêm) vêm os seus valores atualizados em 4,6%, acima da inflação esperada.
No seu agregado, espera-se, de acordo com a proposta do governo, que a receita em IRS venha a cair mais de mil milhões no próximo ano. Há aqui um pequeno alívio fiscal para os contribuintes incluindo (ainda que proporcionalmente menos) os mais sobrecarregados.
A despesa, que está a crescer significativamente em 2024, terá uma evolução muito mais moderada em 2025, o que, apesar de um crescimento expressivo, mas mais reduzido das receitas, levará a mais um superavit em 2025.
O comportamento da Despesa em 2024 reflete a necessidade sentida de apaziguar vários grupos de funcionários que tinham sentido a manutenção de situações de carreira desestimulantes e níveis salariais reduzidos.
Este descontentamento acabou por deteriorar ainda mais a capacidade de prestação de serviços em extensão e qualidade aos cidadãos, quer no âmbito de algumas funções sociais, como a saúde ou a educação, mas também em funções de soberania, como as forças policiais e as forças armadas ou certos operadores judiciários.
O aumento do número de funcionários, de 655000 em 2015 para 749000 na atualidade não se traduziu em serviços melhores ou mais acessíveis. Pelo contrário, há dificuldades na saúde, na educação, nas forças de segurança e nas forças armadas ou nos tribunais.
O governo dá, nesta proposta, nota expressa de que iniciou e tenciona prosseguir medidas de reforma da Administração Pública, estabelecendo como prioridade a “agregação de serviços dispersos em unidades, serviços, direções-gerais e inspeções”, assim como “o desenvolvimento dos Centros de Competência existentes, com os principais objetivos de melhorar o nível de serviço prestado aos portugueses e a criação de instituições eficazes e eficientes, transparentes, sustentáveis, inclusivas e mais próximas dos cidadãos e das empresa”.
É um início de um longo caminho de reformas que, espero, prossiga e se aprofunde.
Economista e Professor Catedrático da NOVA SBE