A longa vida de um orçamento

Se tivermos orçamento, já não é mau. Mesmo que seja “uma coisa em forma de assim”.

E dura, e dura, e dura o suspense em torno da aprovação do Orçamento do Estado para 2025 (OE25). “Temos ainda tempo para determinar o nosso sentido de voto”, diz Pedro Nuno Santos, rejeitando “pressas” e alimentando o tabu sobre a decisão do PS. De facto, nós, portugueses, vamos ter de ser muito pacientes e estar disponíveis para esperar.

Se a proposta orçamental for chumbada, esperam-nos penosos meses até à realização de eleições e mais outros meses para a formação do executivo e para a apresentação, debate e aprovação do Programa do Governo e de um novo orçamento. Se a proposta orçamental for aprovada, então temos pela frente quase dois meses de debate minucioso e seguramente crispado em sede de especialidade.

A vingar a segunda hipótese, podemos chegar ao fim do processo com um “orçamento Frankenstein”. Ou seja, a atual proposta orçamental ser de tal forma desvirtuada pelas propostas da Oposição e cedências do Governo que se transforma num monstro de incongruência, irracionalidade e despesismo. Ora, aprovar um OE25 que seja uma manta de retalhos, sem estratégia ou coerência, não é o mais desejável na presente conjuntura internacional e em face dos desafios do país.

Não encontro razões substantivas para a proposta orçamental criar tanta dissensão e atrito entre os partidos do “arco da governação”. Tal como está, o OE25 é um orçamento equilibrado, centrista e moderado. É um orçamento que prossegue o esforço de consolidação orçamental, mas sem laivos de ortodoxia financeira. É um orçamento que introduz algum desagravamento fiscal, mas sem comprometer a receita necessária às funções sociais do Estado. É um orçamento que valoriza os rendimentos, mas sem os penalizar fiscalmente. É um orçamento que melhora a vida das empresas, mas sem estar “ao serviço do grande patronato”. 

A proposta orçamental é, no entanto, censurável por prever um crescimento da despesa pública de 6,6% em 2025, sem que haja métricas que quantifiquem os objetivos a atingir, designadamente nos serviços públicos (SNS, educação, justiça, etc.). Também é criticável por revelar falta de rasgo, ambição e vontade de mudança nas propostas e metas económicas. Com a folga orçamental, o PRR em andamento, o emprego em alta e o crescimento de vários setores, este parece-me ser um excelente momento para transformar a estrutura económica do país.  

Para estar alinhado com a nova ambição para a Europa vertida nos relatórios Letta e Draghi, Portugal tem de adotar um outro modelo económico. Se não mudarmos o perfil de especialização da nossa economia, corremos uma vez mais o risco de ficar para trás numa UE que, inevitavelmente, vai apostar na reindustrialização, investir mais na inovação e acelerar a transição digital, energética e climática.

Para responder à competição global, a Europa tem de revelar-se mais produtiva, competitiva e inovadora. Esta tríade devia ser claramente assumida também por Portugal, o que exigiria uma estratégia orçamental que desse gás ao crescimento, promovesse a mudança dos fatores competitivos, favorecesse a capitalização das empresas e incentivasse a introdução de tecnologia, a atração e retenção de talento e a conversão do conhecimento em valor económico.  

A proposta orçamental é, infelizmente, tímida enquanto fator de mudança. Mas talvez seja este o preço a pagar por não termos uma maioria governamental e pelo receio de dar passos em falso num mundo convulsionado por conflitos, tensão geopolítica, alterações climáticas, disrupções tecnológicas e “engenheiros do caos”.

Se tivermos orçamento, já não é mau. Mesmo que seja “uma coisa em forma de assim”.   

Presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal