Confiança, Colaboração, Inovação e Interdisciplinaridade

Confiança gera mais colaboração, e colaboração é essencial para inovar e crescer. Em Portugal existe baixa colaboração. 

A capacidade de colaboração produtiva entendida em sentido lato é fundamental para a inovação. Inovar a partir de uma garagem como fizeram Steve Jobs e Steve Wozniak é cada vez mais uma realidade distante. Mesmo as grandes empresas com recursos quase ilimitados precisam de colaborar para inovar. Até competidores juntam forcas para inovar como é o caso da Intel e da Microsoft, da Samsung e da Apple, e de numerosas outras empresas, por exemplo, nas indústrias automóvel e de jogos.

Os custos de desenvolvimento associados à inovação podem hoje ser proibitivos para a maioria das empresas, pois dificilmente uma empresa reúne sozinha o conhecimento e as capacidades para inovar de forma significativa. A colaboração faz por isso sentido em muitos casos, mas nem todas as empresas desenvolveram as capacidades internas que lhes permitem estabelecer colaborações para a inovação.

Estudos apontam que a existência de uma relação de confiança entre as partes é fundamental para o estabelecimento e sucesso da colaboração. No seu artigo de 1972 “Gifts and Exchanges”, Kenneth Arrow, prémio Nobel da Economia nesse ano, observou que “virtualmente todas as transacções comerciais contêm em si próprias um elemento de confiança”.

Ora, se a colaboração é fundamental para a inovação, e a confiança é fundamental para a colaboração, seria óptimo que Portugal desenvolvesse um capital de confiança entre as pessoas, entre as empresas, e entre estas e as instituições. Confiança gera mais colaboração, e colaboração é essencial para inovar e crescer. Em Portugal existe baixa colaboração. 

Infelizmente, os índices de confiança em Portugal estão entre os mais baixos do mundo, de acordo com vários estudos. De acordo com o World Values Survey de 2022, o grau de confiança interpessoal em Portugal (i.e. grau de concordância com a afirmação “a maioria das pessoas é confiável”) é de apenas 16.9%., o pior registo da Europa, com excepção da Grécia, Roménia e a região dos Balcãs.

Países com baixa confiança interpessoal como parece ser o caso de Portugal, podem mitigar esse aspecto desenvolvendo um sistema judicial altamente eficaz e responsivo. Infelizmente, o nível de confiança dos cidadãos na justiça e a sua eficácia não são extraordinários. Um relatório deste ano da OCDE mostra que menos de metade dos Portugueses confia nos tribunais e no sistema judicial.

A tendência generalizada na sociedade Portuguesa para contornar regras, a cultura de favor, a aversão a mudança, e uma necessidade patológica de privilegiar o estatuto e imagem, geram desconfiança entre as pessoas e entre as instituições. E a desconfiança, leva ao corporativismo paralisante, à mentalidade de “silo”, ao fechamento sobre nos próprios, e à esclerose colectiva. Não se traduz em colaboração. Não se traduz em inovação de que precisamos desesperadamente.

Para melhorar a colaboração é preciso urgentemente restaurar e melhorar os níveis de confiança na sociedade Portuguesa. Isto consegue-se com transparência, simplicidade legal e regulatória, eficácia judicial, e um governance interinstitucional claro. Consegue-se também com lideranças baseadas em valores fortes, próximas e autênticas.

Depois , é também preciso olhar para domínios de colaboração específicos. Uma área em que a colaboração para a inovação  é fundamental, e que necessita de uma nova abordagem, é a do ensino e investigação, nomeadamente a necessidade de promover de forma incessante a interdisciplinaridade.

A maioria das disciplinas científicas ao longo das últimas décadas tem demonstrado um progresso muito incremental. As verdadeiras descobertas revolucionárias têm sido raras. Ao mesmo tempo a complexidade dos desafios enfrentados pela sociedade requer uma abordagem interdisciplinar. Isto mesmo foi descrito num Policy Brief de 2015 do grupo de especialistas da Research, Innovation, and Science (RISE) da UE.

Um estudo de 2019 por Keisuke Okamura, mostra que nos principais agrupamentos científicos (i.e. Ciências Ambientais e Geológicas, Ciências Físicas e do Espaço, Computação e Matemática, Engenharia, Ciências dos Materiais, Química, Medicina Clínica e Ciências da Vida) os “research fronts” (i.e. conjunto de artigos cientificos relacionados e altamente citados) em cada período, têm tanto mais impacto quanto maior o seu índice de interdisciplinaridade.

Mas a investigação interdisciplinar continua muito aquém do desejado na Europa e, particularmente em Portugal, enfrentando várias barreiras. Estas barreiras incluem as estruturas disciplinares tradicionais das Universidades e dos organismos financiadores, o baixo treino dos investigadores e directores de investigação em liderança de projectos interdisciplinares, e a ausência de incentivos que fomentem a interdisciplinaridade.

As Universidades têm de criar estruturas e incentivos internos à promoção de investigação interdisciplinar, incluindo a investigação interdisciplinar como factor de progressão na carreira. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) deve por seu lado desenvolver instrumentos de financiamento atractivos especificamente destinados para projectos de investigação interdisciplinares, majorar projectos que tragam uma vertente interdisciplinar, bem assim como promover o financiamento de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento que se situem na intersecção das fronteiras de duas ou mais disciplinas.

Mas nem só de investigação se faz o futuro. As instituições de ensino superior em Portugal devem procurar reestruturar a sua oferta garantindo, onde faz sentido, que existem programas sobretudo ao nível pós-graduado e mestrado que sejam desenhados de forma interdisciplinar equipando futuros e actuais profissionais com as competências e sobretudo o habito mental de abordar os problemas dessa forma, sendo capazes de se relacionar com profissionais de diferentes áreas do saber.

A London Interdisciplinary School (LIS) oference licenciaturas, mestrados e cursos profissionais com uma base interdisciplinar, applicada a problemas concretos, e tem obtido um sucesso extraordinário. Um excelente exemplo.

Professor de Governance, Henley Business School, Reino Unido, e Partner na AMROP