Neste momento, é possível, realisticamente, avaliar as políticas públicas em Portugal? Sim ou Não? Em debate, o médico e ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, e o Dean da Nova School of Business and Economics, Pedro Oliveira. Também disponível em formato podcast.
Adalberto Campos Fernandes – Em Portugal não somos sensíveis à avaliação porque damo-nos mal com os processos de avaliação. Entendemos muitas vezes que a avaliação é um exercício crítico, não construtivo, que pretende penalizar a nossa ação, ao contrário de acharmos que, tal como na medicina, as políticas devem ser science based.
Para que as políticas sejam science based deve-se exibir produção científica, conhecimento, e depois cabe à política, em cima das opções que a ciência oferece, tomar as decisões que a sensibilidade, naturalmente, social, económica e popular, pode condicionar. Nesse aspecto Portugal está bastante atrasado.
O poder político em Portugal é muito mais sensível às agências de comunicação e às influências sociais das “redes” do que a uma abordagem mais técnica e mais científica por parte da academia. Enquanto que na Alemanha e nos países do centro e norte da Europa há uma tradição de policies based in science, aqui, a ciência às vezes aparece mais para justificar algo que se fez, em vez de propriamente para assessorar uma boa decisão.
A propósito da discussão de “se há eleições ou não, orçamento aprovado ou não”, qual é a racionalidade, para além de critérios de sentimento políticos?
Qual é a racionalidade económica, técnica e social que pode determinar um movimento neste sentido? Estamos a falar de uma decisão que pode custar ao país um grande sacrifício e um impacto económico grande. Como, aliás, a instabilidade política e um certo “frenesim institucional nos últimos anos pode ter tido custos para o país, que não estão medidos.
Os cidadãos deviam ser confrontados, por exemplo, com o impacto nas suas vidas de uma decisão num sentido ou noutro sentido. A política em Portugal está mais preocupada com a maneira como comunica e não tanto com o que comunica.

Pedro Oliveira – A minha resposta é sim, é possível avaliar a implementação de políticas públicas. Obviamente nem sempre é fácil, não apenas porque existem constrangimentos políticos, mas porque existem dificuldades de comparação. Se eu seguir por um caminho, nem sempre tenho o contrafactual para perceber o que é que teria acontecido se eu tivesse seguido por outro.
Mas acho que temos de enveredar por esse caminho, não apenas apoiar no desenho de determinadas políticas, como depois ser capaz de as avaliar, reconhecendo sempre as limitações que, obviamente, essas avaliações têm.
Antes de vir para a Universidade Nova, vivi cerca de seis anos na Dinamarca. Pouco tempo depois de me mudar para lá recebi um telefonema do Parlamento Dinamarquês, o Folketing, a convidar-me para um debate, promovido por duas deputadas, uma de esquerda e outra de direita. Juntas estavam a promover um tema que tinha a ver com saúde e hospitais.
Para mim foi bastante surpreendente porque eu era um ilustre desconhecido naquele país, mas as deputadas, quando quiseram organizar aquele debate, foram ao site e encontraram alguém que acharam que sabia daquele tópico e fizeram um telefonema. Depois percebi que isto é relativamente comum. Antes de se tomar uma determinada medida, muitas vezes consulta-se a academia, onde há professores, investigadores, alunos que trabalham em alguns destes temas e que, muitas vezes, também fazem o mesmo para avaliar o impacto de algumas medidas que são tomadas.
Ás vezes a implementação de algumas medidas enfrenta muitas dificuldades, encontra muitas pedras no caminho, mas vale sempre a pena pensar nessas medidas antes de tomar as decisões e depois, mais à frente, avaliar.

Pode haver uma boa intenção ao desenhar uma política pública num determinado setor, mas depois teos de ver a sua consistência ou se ela é exequível, se se consegue praticar. Que variáveis é que podem estar em jogo nesses casos?
Adalberto Campos Fernandes – No setor da saúde, muitas vezes, tomamos uma decisão, que na altura que a tomámos nos parecia extraordinária e até suscitou um grande consenso e um grande aplauso, mas dez anos depois verificamos que alguma coisa não ficou bem. Porquê? Porque há uma série de variáveis e de intercurso que se vão naturalmente modificando.
Por exemplo, em 2005/2006 foi feita uma reforma no setor da saúde, que basicamente encerrou o serviço de proximidade e criou as Unidades de Saúde Familiar (USF) do tipo A e do tipo B. Foi explicado às Finanças que aquilo que se ia gastar a mais no pagamento majorado aos profissionais das USFs, iria ser compensado pela enormíssima poupança que íamos ter no acesso a urgências hospitalares muito indiferenciado.
Passados estes anos, ninguém duvida que um modelo das USFs é um modelo interessante, com virtualidades e que todos os portugueses gostariam de ter, mas que não foi capaz de responder à procura segura. O encerramento do serviço de proximidade levou a que essa procura fosse toda ela divergida, por um lado, pela ausência de cuidados de saúde subagudos do centro de saúde e, por outro lado, do fecho da proximidade com os hospitais.
Passados estes 10, 15 anos, os nossos números nas urgências hospitais ainda são piores, são os piores da OCDE. Na altura, quando a decisão foi tomada, tudo indiciava que era uma belíssima opção, e não quer dizer que não tenha sido, mas está na altura de nós a reavaliarmos.
Agora estou a trabalhar no Comissão Técnica e Independente para rever as USFs universitárias. Naturalmente que vamos pedir ajuda também à Academia, sobretudo na componente económica, a quantificar impactos.
Às vezes diz-se que os académicos também têm uma agenda política ou uma agenda económica e que estão indiretamente a tentar criar contextos mais favoráveis para que determinados interesses económicos possam prevalecer. Sinceramente, não acredito nisso. Acho que há 4, 5% de académicos que têm uma agenda, mas a maior parte das pessoas que estão na Academia a fazer trabalho na investigação são pessoas sérias, que trabalham com dados. Agora, os dados podem trazer para cima da mesa coisas que nós, na política, gostamos mais ou gostamos menos. Isso é outra conversa.
Adalberto Campos Fernandes: “Na Saúde podemos tomar uma decisão e dez anos depois vemos que algo não ficou bem”
Pedro Oliveira – Há muita gente que tem agenda política e tem todo o direito de a ter. No caso do nosso novo instituto dedicado às Políticas Públicas, o Nova SBE Public Policy Institute, o que estamos a tentar fazer é ter um centro que faça investigação independente, apolítica, baseada em evidência e em dados, que nos permita a todos tomar as melhores decisões.Claro que há sempre pessoas com agendas mais políticas, mas eu acho que é fascinante pensar no impacto que as políticas podem ter no desenvolvimento das organizações.
Pedem-me muitas vezes para tentar explicar o sucesso da Nova SBE e o sucesso da minha escola não é necessariamente o resultado de políticas públicas. Não foi uma decisão central, pelo contrário, muitas destas decisões foram da própria escola. Houve, ao longo da nossa história, um conjunto de decisões que levaram a que hoje a Nova tenha dois programas que são top 10 no mundo.
Adalberto Campos Fernandes – A ousadia da Nova SBE vai muito além do que o Pedro está a dizer, que é a ligação à sociedade, ao mercado, às empresas e à economia real. Isto também foi muito criticado pela nomenclatura.
Mas o que é que os fundadores da Nova fizeram? Fizeram benchmark, viram o que se fazia bem lá fora. Não vale a pena ser muito inovador, basta apenas copiar e fazer melhor aquilo que funciona bem. Trabalharam em cima de evidência que já era conhecida, fizeram a prova de conceito, tiveram coragem de determinação, aguentaram os embates, as críticas e as adversidades. E agora o que é que têm pela frente? Têm os resultados.
Ora, estamos a falar de formulação de políticas, não baseadas num impulso, mas com base no conhecimento, na inteligência estratégica. Quando se faz um acordo político ou um programa eleitoral, vale a pena que as medidas venham sustentadas, não apenas num cálculo de colapso atrás da orelha, mas em cima daquilo que a evidência independente diz. É preciso incorporar mais conhecimento nas decisões e menos aquilo que é o achismo ou a opinião conjuntural que agrada a um determinado setor que pode dar votos ou não dar mais votos do que outro.
Pedro Oliveira: “As decisões públicas beneficiam se usarem mais a academia e vice-versa. Tem de haver diálogo”
Pedro Oliveira – Temos de nos sentar mais vezes à mesa com pessoas que pensam diferente de nós para sermos capazes de debater os prós e os contras. Temos de fazer isto mesmo sabendo que não vamos estar de acordo e que não vai ser necessariamente a nossa ideia que vai vingar.
Uma das coisas que eu admiro na sociedade dinamarquesa é haver uma maior capacidade de diálogo da sociedade civil que nós não temos.Trabalho já há muitos anos em Portugal e aquilo que me aconteceu singelamente quando fui para a Dinamarca e recebi o telefonema do Parlamento, nunca me tinha acontecido.
As decisões públicas beneficiam se usarem mais a academia, ou seja, as universidades públicas, e os académicos também beneficiam de poder estar a fazer trabalho que tenha real impacto. Temos mesmo que nos deixar de algumas distâncias e de vaidades e de ser capaz de nos sentarmos à mesma mesa.
Temos todos interesse em que as políticas públicas que são implementadas em Portugal tenham sucesso. Se for bom para Portugal é bom para nós, individualmente.
Obviamente, não basta fazer boas políticas públicas, elas têm de ser implementáveis. A parte da implementação é absolutamente crítica e aí os académicos, se calhar, por estarem mais distantes do terreno, não percebem as dores dos policymakers, que têm muitas vezes que responder aos seus constituintes. É muito importante para quem está a desenhar, do lado de cá, perceber as dificuldades de implementação depois no mundo real.
Adalberto Campos Fernandes – A academia pode funcionar como um elemento de transição,ou de estabelecimento de pontes e, com isso, ganham os cidadãos. Por exemplo, a discussão do IRS Jovem e do IRC para as empresas. Se perguntarmos a 100 portugueses, perceberam alguma coisa? Porque é que um partido quer e o outro partido não quer? 95% dos portugueses não faz a mínima ideia.
Se na sala do Senado, no Parlamento, chamassem um conjunto de pessoas que trabalham e produzem todos os dias conhecimento para explicarem verdadeiramente os prós e os contras, se devo ir por este caminho ou aquele, não diria que isso despolitizava o debate, mas despartidarizava o debate.
As políticas em si não são ilumináveis, a ciência tem implicações políticas. As vacinas para a Covid foram descobertas em tempo recorde e foram um instrumento da ação política, no bom e no mau sentido.
Acho que nós vamos melhorando com o tempo e há-de haver um momento em que, daqui a dez anos, a política não faz nada sem ter pelo menos três, quatro referenciais de conhecimento independente que digam “se fores por aqui tens este risco, por ali tens aquela oportunidade”.
Acho que não é só pela vontade da política e da academia, é porque a produção de conhecimento maciça, de uma forma tão intensa e tão rápida, torna perigoso ao político decidir. Agora já é uma questão de perigo da decisão, porque agora a decisão não é baseada na ideia de que eu sou soberano, fui eleito pelo povo, portanto, é assim porque eu quero.
O problema da competência das políticas em Portugal e das empresas não é um problema de idade, é um problema de saber e de conhecimento. Posso ter um indivíduo com 30 anos, fabuloso, e posso ter um indivíduo com 60 anos que traz muito valor. Não é tanto uma questão de geração, é uma questão de conjugar idade, saber e experiência de vida.