A expressão “primeira tarde de Portugal” refere-se poeticamente à Batalha de São Mamede, travada a 24 de junho de 1128, e foi cunhada por José Mattoso, notável historiador e escritor português. Mattoso empregou essa expressão para destacar a importância da batalha na fundação de Portugal, vendo-a como o momento inaugural na formação da nação portuguesa. Simboliza o momento em que começou a construção do reino português, assinalando o início do caminho que levaria à autonomia de Portugal em 1143 e ao reconhecimento internacional formal em 1179. Falamos assim de um “processo” de independência, mais do que de um “evento”.
Este “processo” teve um líder, D. Afonso Henriques, e uma característica determinante para o resultado final – um propósito claro e uma força extraordinária de determinação. Que lições podem os líderes contemporâneos, políticos, institucionais ou corporativos, tirar destes eventos do século XII?
O nosso primeiro Rei
D. Afonso Henriques (c. 1109–1185), de cognome “o Conquistador”, foi a figura central na criação do Reino de Portugal, sendo o seu primeiro monarca. Filho de D. Henrique de Borgonha (neto do Rei de França) e de D. Teresa de Leão (filha ilegítima do Rei de Leão), começou por ser Conde de Portucale após a morte do pai em 1112. Durante a sua juventude, entrou em conflito com a mãe, visto que D. Teresa, após uma fase em que pretendia independência para o condado, ter decidido regressar a uma união galega. Esse conflito culminou na Batalha de São Mamede em 1128, onde saiu vitorioso, assumindo o controlo do condado e afastando a mãe do poder. O seu maior feito militar deu-se em 1139, na Batalha de Ourique, onde derrotou um grande exército mouro e se proclamou Rei dos Portugueses. A sua posição foi reforçada pelo Tratado de Zamora assinado a 5 de outubro de 1143 (faz agora 881 anos), considerado o primeiro reconhecimento formal de D. Afonso Henriques como Rex (Rei) e de Portugal como um reino separado de Leão. Em 1179, o Papa Alexandre III formalizou essa independência através da bula Manifestis Probatum, reconhecendo-o como o legítimo rei de Portugal.
Durante o seu reinado, D. Afonso Henriques expandiu significativamente as fronteiras do reino, conquistando territórios aos mouros, incluindo Lisboa em 1147, com o apoio de cruzados do norte da Europa. A sua visão política e militar consolidou a autonomia e a identidade do reino português, lançando as bases para o seu desenvolvimento.
Relevância da “determinação” na identificação de talento no século XXI
No que diz respeito à identificação de talentos, o foco deve estar no “potencial”, conforme explicou o meu colega Claudio Fernández-Aráoz num artigo da Harvard Business Review. No mundo de hoje em constante mudança, as nomeações baseadas em experiência e competências são cada vez mais insuficientes. O que torna alguém bem-sucedido numa função específica hoje pode não ser amanhã se o ambiente competitivo se alterar, a estratégia da empresa mudar ou se ele ou ela tiver de colaborar ou gerir um grupo diferente de colegas. Assim sendo, a questão não é se os líderes da sua empresa possuem as competências certas; é se têm potencial para aprender coisas novas.
O principal indicador de potencial que procuramos é o tipo certo de motivação: um forte compromisso com a excelência na prossecução de objetivos altruístas. De seguida, consideramos então quatro características que são marcas de potencial:
- Curiosidade: uma tendência para procurar novas experiências, conhecimentos e feedback sincero e uma abertura para aprender e mudar
- Insight: a aptidão de reunir e dar sentido a informação que sugere novas possibilidades
- Envolvimento: um talento especial para usar a emoção e a lógica para comunicar uma visão persuasiva e conectar-se com as pessoas
- Determinação: a capacidade para lutar por objetivos difíceis apesar dos desafios e para recuperar das adversidades
A “determinação” em D. Afonso Henriques
O nosso primeiro Rei demonstrou um elevado nível de determinação, considerando vários momentos importantes da sua vida que exemplificam os pontos que constituem um comportamento “determinado”:
Ter um compromisso inabalável com o objetivo/propósito:
Desde cedo, com apenas 19 anos, D. Afonso Henriques comprometeu-se a criar e consolidar um reino independente. Ele lutou incansavelmente contra os muçulmanos e contra as tentativas dos reinos vizinhos de subjugar Portugal, comprometendo-se inteiramente com a defesa da independência e a construção do reino.
Rejeitar os limites impostos por outros:
D. Afonso Henriques não aceitou a subordinação de Portugal ao Reino de Leão ou à sua mãe, D. Teresa. A sua determinação em estabelecer um reino independente foi inabalável, rejeitando as convenções políticas da época, mesmo tendo de esperar 51 anos pelo reconhecimento papal.
Manter resiliência perante desafios e contratempos:
Mesmo com derrotas temporárias, persistiu até alcançar o seu objetivo de independência para Portugal. Em maio de 1158, D. Afonso Henriques sitiou Alcácer do Sal, que já tentara conquistar em 1151, 1154 e 1157, e ao fim de um cerco de 60 dias a cidade cai a 24 de julho.
Promover a autodisciplina para canalizar as emoções e perseverar:
Durante a luta pela independência de Portugal e na defesa do território contra as forças externas, como os muçulmanos e os castelhanos, D. Afonso Henriques mostrou grande disciplina e perseverança. Conseguiu manter-se a si próprio e às suas tropas focado e motivado, mesmo em circunstâncias difíceis (como a recusa papal em reconhecer o novo reino).
Ampliar a energia para seguir em frente:
A fundação do Reino de Portugal e a sua defesa constante ao longo dos anos exigiram uma força obstinada. Mesmo após o cativeiro e o ferimento em Badajoz em 1169, continuou a liderar os seus homens, mostrando uma capacidade incrível de superar os limites físicos e emocionais.
Epílogo
Ao longo da sua vida, D. Afonso Henriques mostrou uma determinação incansável para afirmar e proteger a soberania de Portugal, não só através da força militar, mas também com paciência diplomática e a habilidade de superar obstáculos internos e externos. A sua visão e resiliência foram cruciais para a fundação de Portugal como uma nação independente. Uma lição de vida para todos os líderes contemporâneos!