O trabalho no futuro

Num futuro que hoje se constrói, que talento é necessário para novos modelos de negócio?

Na segunda década do século XXI, um movimento de transformação global modificou por completo o mundo dos negócios, envolvendo-o numa nuvem de imprevisibilidade, volatilidade e disrupção. Na verdade, o exponencial desenvolvimento da ciência e tecnologia não é o único fator a influenciar o contexto económico e social em que nos encontramos.

A globalização, a conectividade, o acesso a quantidades gigantescas de dados e informação, a transição para uma economia mais verde, fruto das alterações climáticas e da escassez de recursos naturais são forças igualmente promotoras dum mundo em mudança. E se, por um lado, é verdade que esta onda de mudança acarreta um imenso potencial de crescimento económico, por outro lado, cria um ambiente de ansiedade económica por colocar em causa a tradicional visão e previsibilidade do mundo do trabalho.

Hoje, temos novas gerações, com novas aspirações, novas causas, novos comportamentos, novas formas de trabalhar e de viver.

As questões que então se colocam são, num futuro que já hoje se constrói, que talento será necessário para responder à dinâmica dos novos modelos de negócio? Onde o encontrar? Como preparar os atuais profissionais para que se mantenham protagonistas ativos no mundo do trabalho? Qual o papel dos líderes na construção de organizações de sucesso, eficientes e inclusivas, que proporcionem condições dignas para o desenvolvimento profissional e realização vital de cada um dos seus colaboradores, tendo em conta a diversidade cultural e multigeracional? Neste cenário de transição, qual o valor e o papel da educação e, em concreto, da educação ao longo da vida?

Ou seja, interrogamo-nos sobre o Talento, as Pessoas e o redesenho das Organizações.

Olhando o futuro, certamente há que não desperdiçar o sucesso da agilidade conseguida e a riqueza das competências adquiridas num passado não longínquo durante a pandemia, mas o futuro requer mais.

Num futuro a 5 anos, estima-se que, em termos mundiais, a grande maioria dos postos de trabalho (cerca de 75%) não esteja ameaçada. Contudo, dada a alteração no seu conteúdo e a interação com novas funções que continuamente estão a ser criadas, cerca de 44% (WEF, 2023) das competências core exigidas serão totalmente diferentes das atualmente existentes nas organizações e isso implica um investimento massivo das empresas, seja na contratação de novo talento, seja na requalificação das suas pessoas.

Na realidade, todas as organizações se interrogam sobre que Talento procurar, sendo consensual que todas as empresas procuram solucionadores de problemas com capacidade de adaptação, curiosos e abertos à aprendizagem, bons a colaborar, criativos, empreendedores e com atitude otimista. Mas hoje é possível encontrar este talento em qualquer ponto do mundo.

É de salutar ter esta mentalidade global que permite reconhecer que o talento existe, esteja ele em Portugal, nos países emergentes ou onde for. Claramente, são muitas as vantagens desta abordagem e a sustentabilidade de muitas empresas passará certamente por esta visão.

Todavia, creio ser prioritário reconhecer o talento interno, contar com cada um e envolver todos na reinvenção do negócio e da empresa. Depois, contar com todo o talento disponível em Portugal e promover iniciativas de mobilidade entre empresas. Essa poderia ser, porventura, uma prioridade nacional.

Quanto às organizações, encontramo-nos já numa etapa de reinvenção das mesmas, constituindo-se como facilitadoras de um modo mais flexível, ágil e personalizado de funcionamento.

Em concreto, é o momento de estabelecer políticas de acesso a bons instrumentos de trabalho (infraestruturas, sistemas), investir na formação de cada um dos seus colaboradores ao longo de toda a trajetória profissional, potenciar desafios profissionais que promovam o seu crescimento e flexibilizar o tempo e o espaço para outros âmbitos que permitam a cada um a sua realização integral. Pensar em termos de uma framework datada da revolução industrial, mesmo que adaptada, não servirá.

Requerem-se soluções criativas que permitam alinhar as preferências pessoais (sempre únicas) com as necessidades, objetivos, estratégia e missão da empresa.

Mas todos estes cenários embatem em dois travões: a rigidez da regulamentação da convivência laboral e o estilo de liderança ainda muito preso ao presencialismo e ao controlo próximo.

Não nos podemos nunca esquecer que o Emprego, ou melhor o Trabalho exercido profissionalmente, suportado ou não por um vínculo laboral estável, é uma das dimensões estruturantes da vida pessoal. Muito da identidade social de cada um deriva da ocupação profissional. O estilo de vida, a segurança económica e a capacidade de sustentar a família dependem dos rendimentos pessoais que, muitas vezes, derivam apenas do salário.

Também é no trabalho que, geralmente, as pessoas fazem e encontram amigos e, inclusivamente, desfrutam – ou não – de apoio social. O acesso ao mundo do trabalho assim como o ambiente dos locais de trabalho são por isso variáveis importantes para a saúde física e mental e o bem-estar das pessoas.

Os líderes têm uma responsabilidade profunda neste campo. Robert Chapman, o CEO da Barry-Wehmiller, citando estudos da clínica Mayo, afirmava que o chefe direto é mais importante para a saúde de cada colaborador do que o médico de família. Por isso torna-se imprescindível cuidar que ninguém fique para trás nesta transição acelerada e instável em que vivemos.

Dean da AESE Business School