Foi há 40 anos que se entusiasmou e “decidiu entrar no negócio” do pai. “Sou um velho, pá”, admite Luís Pato, entre risos. Em mais de quatro décadas “a fazer brincadeiras”, o produtor encabeçou a modernização da região da Bairrada, domesticou a teimosa casta Baga e, consciente da importância de uma marca forte, projetou-a — e a si — à escala internacional.
Como é que caracteriza a Adega Luís Pato?
Luís Pato – Nós somos vinhateiros, nas nossas próprias vinhas, há muitos anos. É uma empresa de herança familiar: a família Pato já faz vinho na Quinta do Ribeirinho desde o século XVIII, para ter ideia. Já temos algum pedigree na coisa!
Em 1980, comecei a fazer vinho para a minha sogra, que já era viúva. Em 1984, os produtores da Bairrada foram a Londres e gostaram imenso do meu vinho – entusiasmei-me e entrei no negócio. Embora não tivéssemos formação específica para agricultura – a minha mulher é de Farmácia, eu de Química, aparentemente longe da área – com o tempo tornaram-se uma vantagem. Uma das marcas mais importantes é a inovação e a inovação faz-se com conhecimento. Só assim podemos projetar o que fazer para inovar. E tem sido essa a minha vida de 45 anos a fazer vinho.
Qual é o atualmente o volume de negócios?
LP – 1.8 milhões de euros, com um milhão para a exportação. Os nossos principais mercados são os Estados Unidos, este ano o Brasil será o segundo maior , depois Macau, Noruega e também Japão, Austrália e Nova Zelândia.
Tenho a vantagem de ter uma dimensão relativamente boa, com 60 hectares de vinha. Permite ter bons equipamentos na adega e ter a vinha o mais mecanizada possível para evitar ter de usar os herbicidas, que ficava significativamente mais barato. Ganhar volume liberta os meios suficientes para investir e inovar.
Nota uma alteração no perfil de consumo?
LP – Sim, bastante diferente. Nós temos dois tipos de vinhos: os “clássicos”, que sempre foram feitos de acordo com as regras de enologia, com sulfitos… por acaso, nós não acidificamos nem chaptalizamos (n.r. o processo de adição de açúcar antes da fermentação para aumentar o teor alcoólico). Temos a sorte de ter um clima próprio para isso. Pode perguntar-me se não faço vinhos com 14 graus; não, o meu clima não dá para isso. O que é natural aqui é ter vinhos com menos álcool, nunca mais de 12.5º ou 13º. Quero os meus vinhos equilibrados!
Depois temos outros vinhos, baseados na nova ideia da juventude de querer fazer vinhos naturais. Eu não digo que faço vinhos naturais: faço vinhos com intervenção mínima. E faço-o forma mais natural que consigo, muitos sem sulfitos ou acidificação, além de não usarmos nem herbicidas nem pesticidas na vinha. Usamos fungicidas, mas o ozono, um dos que usamos, nem deixa resíduos. Olhe, deriva até da minha formação como químico.É um bom exemplo da vantagem de ter uma formação que me permite inovar.
A Bairrada é uma região sobretudo de brancos e espumantes, mas também de tintos. É muito fácil fazer grandes brancos e grandes espumantes na Bairrada todos os anos; com os tintos, temos que ter muito trabalho para fazer bem, sobretudo de Baga. Aliás, eu para fazer nove vezes grandes vinhos de Baga em 10 anos, comecei há muito tempo.
A partir de 1990 comecei a fazer uma coisa chamada monda, a redução da produção, para a Baga atingir uma maturação antes que venha a chuva e não tenha problemas de podridão, de estragar a qualidade. A partir de 2001 comecei a fazer 2 colheitas da mesma videira de Baga: a primeira para espumante, a segunda para tinto. Desta forma, não perco nada. Mais uma coisa que aprendi em engenharia: otimização de processo. Está a ver como, às vezes, a formação externa àquilo que é imaginado para fazer um determinado produto tem vantagems.
Na senda das duas colheitas, preocupa-o o excesso na produção?
Felizmente não temos excesso de vinho em Portugal. Ou melhor: o excesso no país resulta da produção espanhola. Portugal tem um défice de produção de vinho de 750 mil hectolitros. O milhão e meio em excesso resulta dos 2.5 milhões que vêm de Espanha.
Como eu não trabalho vinhos de entrada de gama, não sofro tanto com esse problema. Temos adega para três anos. O problema muitas vezes está em quem produz uvas sem term mercado. Eu adapto-me conforme o mercado. Na exportação, apesar de usar as castas locais, faço vinhos que são bons para acompanhar pratos de cozinhas estrangeiras: tailandesa, chinesa, japonesa, mexicana, entre outros. Isto deriva da minha experiência de viajar e ir vender lá fora. Às vezes os produtores portgueses – mas não só, os franceses também – esquecem-se que cada país tem os seus hábitos e gastronomia. Nós temos que adequar os vinhos à culinária para onde queremos vender.
E temos uma vantagem fantástica. Portugal é o país com maior diversidade estilos de vinho: temos muitas castas, muitos solos e muitos produtores. Essa diversidade faz com que haja sempre um vinho português que vá bem com as mais variadas gastronomias.
O problema é então tentar vender para for como se vende cá dentro?Exatamente. Fui durante 10 anos vice-presidente da ViniPortugal, pro bono, coisa invulgar no país. Nessa época, alteramos um aspeto fundamental: a promoção das castas portuguesas, que é o que faz a diferença. Promover Cabernet Sauvignon, Merlot ou Syrah não nos interessa. Por aí não vamos longe.
À altura, os produtores andavam pela Europa e não pelos Estados Unidos. Achei estranhíssimo. Além de serem um mercado enorme, basta vender em dois ou três estados para já fazer uma diferença enorme, têm uma vantagem que não se encontra em mais nenhum lado. Na América, é possível não vender por não ter preço suficiente. Se um vinho está na prateleira abaixo dos 11.99$, um americano não acredita que possa ser bom. Infelizmente, há muitos vinhos portugueses que estão abaixo desse patamar e muitas vezes o que cá pensamos ser o price point limita-nos. Ainda temos imenso trabalho a fazer para valorizar o nosso produto.
Que tipo de de políticas públicas ou de regulamentação é que acha que são necessárias para apoiar o setor do vinho?
Como lhe dizia, temos de continuar a apostar na promoção do vinho português. Igualmente importante é privilegiar as castas portuguesas nas regiões onde elas são mais expressivas, de onde são por tradição. Há castas portuguesas que aqui estão à séculos, resistiram às alterações climáticas, às doenças e até a essa pior de todas que é o Homem. As nossas castas identificam as regiões – e se assim é, é porque estão bem.
Há ainda uma outra política pública que tem sido muito descuidada. A seleção clonal aumenta o rendimento e melhora a qualidade das nossas uvas. Se compramos a estrangeiros, são eles que a fazem. Mas é muito importante apostar neste aspeto agora, porque pode durar 20 a 50 anos e eu gostava que os meus netos viessem a usufruir.
Tem algum projeto novo em que esteja a trabalhar?
Com a minha idade, eu tenho que fazer sempre algo novo na próxima colheita. Este ano vai ser um grande branco. Comecei a ensaiá-lo à cinco anos e agora consegui uma afinação que o tornou ainda melhor.
Em 2022, revelou que estava a trabalhar num espumante sem utilizar leveduras de Champanhe. Como está esse projeto?
Vou lançar este ano o primeiro espumante com leveduras indígenas. Vai ser um Maria Gomes (n.r. como é designada a casta Fernão Pires na região da Bairrada) em que em vez de usar as leveduras de Champanhe na segunda fermentação, usei leveduras de solo argilo-calcário. Curiosamente, o espumante é de uvas nascidas em solo arenoso; a escolha pelo argilo-calcário foi para lhe dar um caráter mais fumado. Veja como estou a inovar! Aliás, este projeto teve o apoio da Universidade do Minho.
Acredito que o futuro vai ser de vinhos cada vez mais naturais, com menos intervenção externa. Se nós oferecermos um espumante que levar leveduras locais em vez de levar leveduras de champanhe, que uniformizam o produto, estamos a transmitir muito mais o local (não digo terroir; como diz uma t-shirt que tenho, “Not a French copy”).
Experimentei tanto leveduras de areia como de calcário, não só para ver se conseguiam fazer espumante – que numa outra universidade me diziam que não era possível – mas para ver como influenciam o caráter do vinho. Este será um espumante bem diferente.
Como é que se distingue um bom vinho de um mau vinho?
Há várias formas. Se tiver defeito, é mau vinho. Mas um bom vinho não é só aquele muito limpinho, muito floral. Um bom vinho tem capacidade de envelhecer; só é um grande vinho se puder durar no mínimo 20 anos. Com o tempo, os vinhos alteram as suas características aromáticas e sensoriais e essa é a grandeza de um grande vinho: tem que nos mostrar uma enorme diversidade, como um ramo de flores.
O vinho português deu um salto qualitativo enorme por influência dos jovens enólogos, com mais mundo. Como Portugal só foi grande quando andou pelo mundo. Estes jovens têm as sensações fancesas clássicas e as modernas do Novo Mundo, mais anglo-saxónicas. Misturando as duas, deu o ideal.
Além de trazerem uma nova forma de fazer vinho, há mais investimento nas vinhas e nas adegas. No final, claro que resulta.
Portugal
- Druida Grande Reserva Branco
Dão - Monte Cascas Malvasia Branco
Colares - Nacional – Quinta do Noval
Vinho do Porto
Internacional
- Château Ausone Saint-Émillion
França - Gaja Barbaresco
Itália - La Tâche Romanée-Conti
França - Henschke Hill of Grace
Austrália - Vieilles Vignes Francaises Bollinger
Champanhe