Lisboa isolada da Europa, a pior acessibilidade por comboio (pt. II)

A rede ferroviária nacional tem a dimensão que tinha no final do século XIX

As críticas à ineficaz estratégia ferroviária portuguesa são demolidoras quando “apontam” a percentagem de linhas entretanto encerradas (comparam a dimensão da rede ferroviária atual com a existente no final da Monarquia, quase no início da República, no tempo em que a linha ferroviária chegou ao Sul, à fronteira do Guadiana, em Vila Real de Santo António, em 1906), ou quando aludem ao isolamento ferroviário do extremo norte raiano, depois de ter sido encerrada a linha que ia até Vidago, e que manteve grande procura turística durante muitas décadas.

O barómetro sobre o fraco desenvolvimento do transporte ferroviário de mercadorias pode utilizar como indicadores o insignificante crescimento de ramais industriais, o inexpressivo aumento do número de locomotivas utilizadas pelos operadores privados e – o mais demolidor dos argumentos – a evidência de que os parques industriais nunca tiveram uma ocupação em linha com os pressupostos que levaram à criação dessas infraestruturas, mostrando que a capilaridade do transporte rodoviário não serve de âncora à indústria, exigindo a garantia logística do grande escoamento da produção pelo modo de transporte mais pesado, com recurso a comboios de 750 metros de comprimento.

Reindustrialização deve ser acompanhada por aumento dos ramais ferroviários

O mesmo argumento defende que a reindustrialização de Portugal e a instalação de fábricas no interior deveria ter sido acompanhada e promovida pela permanente acessibilidade em escoar mercadorias por comboios operados em direção aos portos e às plataformas logísticas raianas (é o caso do interesse tardio em que a fábrica de automóveis de Mangualde – da antiga PSA, atual Stellantis – fosse servida por um ramal de comboios de mercadorias que transportassem os veículos aí produzidos até ao porto de Leixões, a Vigo e à plataforma da Guarda).

Este exemplo também será válido para uma percentagem significativa dos 431 parques empresariais e industriais existentes no país (que não esgotam o potencial de loteamento industrial do país). Especialistas deste sector (ex-gestores de operadores ferroviários privados e gestores portuários e de infraestruturas de logística) consideram que deveria ser feita uma triagem destes parques nas localizações mais competitivas para diversos sectores de atividade industrial e deveriam ser relançados e promovidos.

A própria rede do antigo projeto do Portugal Logístico deveria ser repensada e relançada a curto prazo, associada ao transporte ferroviário de mercadorias (identificando eventuais sinergias existentes na antiga localização do terminal do Poceirão resultantes da proximidade ao futuro aeroporto internacional Luís de Camões, sobretudo se estas infraestruturas forem diretamente conectadas por ramal ferroviário de via múltipla).

A modernização de 200 km da LBA – que permitiria reforçar a capacidade ferroviária portuguesa, podendo operar comboios de 750 metros de comprimento – foi um novo quebra-cabeças para os especialistas ferroviários, arrastando os prazos das empreitadas, e assumindo a quadruplicação da linha em Vila Franca de Xira como um projeto incontornável.

44% de 1600 comboios diários utilizam a Linha do Norte

Depois do isolamento ferroviário de Lisboa ter sido internacionalmente evidenciado pela Greenpeace, aumentaram os protestos pelo facto da ligação Lisboa-Madrid ser feita quase exclusivamente por avião, com a agravante de ser utilizado para o efeito o aeroporto da Portela, cuja capacidade está esgotada há muitos anos, encravado no centro de Lisboa e sobre o qual (ao fim de mais de 50 anos de debates) foi tomada a decisão de construção de um novo aeroporto na margem sul do estuário do Tejo, partilhando com a AV o acesso a Lisboa via TTT.

Retirando prioridade às obras de modernização e otimização da linha ferroviária entre Lisboa e Madrid, foi planeado avançar com a nova linha de AV entre Porto e Lisboa, um projeto sobre o qual o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, esclarece dúvidas existentes.

Segundo o planeamento consagrado no Plano Nacional de Investimentos – após consulta pública, passando por vários crivos de debate realizados junto de diversas entidades –, foi unanimemente reconhecido que a Linha do Norte atingiu o um nível de congestionamento inaceitável – atendendo a que, entre os cerca de 1.600 comboios operados diariamente em Portugal, perto de 44% utilizam a Linha do Norte.

Ferrovia nacional estrangulada: 92% dos comboios de carga utilizam a Linha do Norte

Isto significa que além de ter sido reduzida a dimensão da ferrovia em Portugal entre 1995 e 2018, o congestionamento da Linha do Norte estrangula o tráfego ferroviário nacional, um problema agravado pelo transporte de mercadorias, pois a quase totalidade dos comboios de carga (92% do total) utilizam a Linha do Norte.

Assim, a opção por construir uma nova linha para a AV permitirá fazer circular nessa nova infraestrutura os comboios de passageiros de longo curso, libertando a circulação na Linha do Norte, onde o tráfego de mercadorias poderá ganhar uma considerável folga de utilização.

Quando a nova linha de AV estiver concluída – findas todas as fases de execução, com diferentes datas para conclusão de obras – a viagem Porto-Lisboa em comboio de AV será concretizável em 1h15, objetivo que permitirá transferir para a ferrovia muitas das viagens atualmente realizadas por automóvel (que contam por ano cerca de 120 milhões de viagens), por autocarro (seis milhões de viagens) e por avião (um milhão de viagens). Mas a data em que a viagem entre as duas maiores cidades portuguesas poderá ser assegurada em 1h15 é difícil de fixar.

AV Lisboa-Porto terá 60 serviços diários em cada sentido

Para a ligação ferroviária de AV Porto-Lisboa, a IP pretende criar condições que viabilizem 60 serviços de comboio diários em cada sentido. Assim, a ligação ferroviária entre Lisboa e Madrid ficou para um segundo plano nas prioridades da IP, embora mantenha a construção do troço que vai de Évora até à fronteira, que reduzirá o tempo de viagem entre as duas capitais ibéricas para cinco horas, mas que ainda será posteriormente reduzido para cerca de quatro horas quando estiver operacional a TTT.

As obras em curso estão incluídas no Programa de Modernização da Rede Ferroviária Nacional, o “Ferrovia-2020”, cofinanciado pela UE no âmbito do projeto do “Corredor Internacional Sul”, que liga o porto de Sines à fronteira de Elvas-Caia, e que, entre outras vantagens, permitirá duplicar a atual capacidade de transporte de mercadorias – como dizia Pedro Nuno Santos –, implicando um investimento total que ultrapassa os 2.000 milhões de euros.

Custo do transporte ferroviário de cada contentor deve cair para metade

Esta nova linha Évora-Elvas, com 90 km de extensão, ligará igualmente os portos de Sines, Setúbal e Lisboa a Espanha, encurtando o percurso até à fronteira em 140 km, o que proporcionará ganhos consideráveis no tempo de viagem, mas, sobretudo, terá reflexos no custo do frete ferroviário de cada contentor, cujo preço de transporte deverá cair para metade do atual.

Para os comboios de passageiros, Elvas ficará a duas horas de Lisboa e a viagem Lisboa-Madrid, depois de serem concluídas as obras na modernização de linha em Espanha, será feita em cerca de cinco horas, o que, para muitos especialistas em transportes, continuará a não ser competitivo face ao tempo de viagem por avião.

Segundo Carlos Fernandes, vice-presidente da IP – Infraestruturas de Portugal o novo projeto da AV na ligação Porto-Lisboa é “faseado, adaptado às disponibilidades orçamentais do país, de forma a maximizar a contribuição de financiamento comunitário”.

“Na 1ª fase (de concursos já lançados) estão os troços Porto-Oiã, que ficará concluída em 2030, e Oiã-Soure, com conclusão também prevista para 2030. Na 2ª fase (com estudos de engenharia concluídos e concurso da PPP a lançar em janeiro de 2026) está o troço Soure-Carregado (que estará concluído em 2032). Cada um destes troços, após ser terminado, permite utilização imediata”, detalha o vice-presidente da IP.

Acrescentam-se ainda os projetos da “quadruplicação da Linha do Norte entre Alverca e Castanheira” que devem estar concluídos em 2030 (no que respeita ao “projeto de execução em elaboração”), bem como a “ampliação da Gare do Oriente”, cujo cronograma aponta para 2030 (e tem o projeto de execução em elaboração).

TTT só em 2034 e Lisboa-Porto em 1h15 só quando a linha entre Carregado e Alverca quadruplicada estiver congestionada

Segundo Carlos Fernandes, “os comboios de AV vindos do Porto chegarão a lisboa através da linha do Norte quadruplicada”. “O tempo de viagem será de 1h19 para os serviços diretos, refere, explicando que “a linha do Norte entre Carregado e Lisboa terá capacidade para cinco comboios de AV por sentido e por hora, em hora de ponta”.

“Apenas quando a capacidade for atingida se tornará necessário construir uma nova ligação a lisboa”, diz o vice-presidente da IP, adiantando que “o que está previsto é que poderá existir uma segunda ligação, passando pelo aeroporto e entrando em lisboa pela TTT ou, em alternativa, uma ligação direta do Carregado a Lisboa, em complementaridade com a linha do Norte”.

Quanto à conclusão da TTT, Carlos Fernandes diz que “está prevista para 2034 (de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros RCM 68/2024). A viagem Lisboa-Porto em 1h15 está dependente da construção do troço Carregado-Lisboa pela margem direita do Tejo, o que só se justificará quando a Linha do Norte entre o Carregado e Alverca, quadruplicada, estiver congestionada. Até lá, teremos o Lisboa-Porto em 1h19”

Jornalista