Queda das Bolsas. Mercado do “urso” será tendência?

Dia 5 de agosto foi um dos piores dias dos últimos anos para as bolsas mundiais. A tendência de baixa no mercado (bear market) pode ser cada vez mais comum? Especialistas em investimentos explicam o que está em causa e deixam previsões.

O passado dia 5 de agosto ficou marcado como um dos piores dias dos últimos anos para as bolsas mundiais. Uma “segunda-feira negra” em que o índice japonês Topix registou uma queda histórica de quase 13%; o pan-europeu Stoxx 600 caiu quase 6%, ,os norte-americanos S&P 500 cerca de 4% e Nasdaq a resvalar nos 6% Já no mercado das criptomoedas houve uma desvalorização de mais de 250 mil milhões de euros num só dia.

A volatilidade atingiu níveis não vistos desde a queda das bolsas em março de 2020, por causa da pandemia de covid-19, segundo analistas de mercado financeiro.

Touro ou urso: que tendência esperar dos mercados?

Neste contexto, poderá o mercado do “urso “(bear market), ou seja, a tendência de baixa no mercado, começar a ser uma tendência cada vez mais frequente? O que explica a queda a pique das bolsas?

Simon Webber, chefe de Ações Globais da Schroders, afirma que a “venda abrupta de ações nos últimos dias” deve ser vista no contexto de mercados de ações excepcionalmente fortes desde outubro de 2023 (em meados de julho, o índice MSCI All-Country World subiu cerca de 32% desde as mínimas de outubro), e “uma correção é perfeitamente saudável e normal.”

Entre os vários fatores que resultaram na queda dos mercados de ações, os especialistas destacam: os dados económicos mais fracos dos EUA, que aumentam o receio de recessão e a expectativa de cortes rápidos nas taxas; um aumento inesperado da taxa de juros pelo Banco do Japão; e algumas preocupações com os lucros corporativos.

Aumento da taxa do Banco do Japão

No dia 31 de julho, o Banco do Japão aumentou as taxas de juros para 0,25%, da faixa anterior de 0-0,1%. um movimento inesperado explicado por Taku Arai, vice-chefe de Ações Japonesas: “O aumento da taxa do Banco do Japão reflete a sua confiança no desenvolvimento macroeconômico do Japão, incluindo o crescimento salarial. Também mitiga o risco de maior enfraquecimento do iene, que poderia ter gerado uma inflação mais alta no Japão.”

Quando combinado com os dados mais fracos dos EUA, isto causou um fortalecimento acentuado do iene japonês que, por sua vez, desencadeou uma maior volatilidade do mercado.

“As operações de carry trade com ienes (onde os investidores pedem emprestado em ienes e investem em ativos estrangeiros de maior rendimento) estão a ser rapidamente desfeitas, causando alta volatilidade e uma rápida valorização do iene”, explica Simon Webber. “O iene tornou-se muito subvalorizado. Ainda é difícil dizer que os mercados reagiram de forma exagerada ou que todo o posicionamento foi desfeito”.

Recessão à vista nos EUA?

Devido à inflação elevada, agravada pela Covid-19 e a guerra na Ucrânia, nos últimos anos, os bancos centrais de todo o mundo subiram as suas taxas de juro. Este aumento torna mais caro fazer empréstimos e funciona como um travão ao consumo e ao investimento, desacelerando a economia e a inflação.

A Reserva Federal dos EUA (Fed) tem mantido desde há um ano as taxas nos níveis mais altos desde 2001, entre 5,25% e 5,50%, com esse mesmo objetivo. Após a queda das bolsas têm-se multiplicado as críticas à Reserva Federal por ainda não ter descido os seus juros.

Um dado recente veio aumentar ainda mais os receios de que a economia americana pode estar mais fraca do que o esperado. Um relatório divulgado no início de agosto refere a criação de 114 mil vagas de trabalho em julho nos EUA, abaixo da expectativa de 185 mil, enquanto a taxa de desemprego subiu para 4,3%.

O economista George Brown explica que “o aumento da taxa de desemprego desencadeou a ‘regra de Sahm’, que indica o início de uma recessão. Esta regra tem sido um indicador confiável de recessão no passado, mas também deu alguns falsos positivos.”

Sobre os receios de que o Fed possa ter perdido o momento certo para começar a cortar juros, George Brown afirma que “o problema é o Fed ter-se comprometido, em junho, a fazer apenas um corte de taxa este ano”.

“Foi muito conservador e isso tornou-o incapaz de mudar rapidamente em julho. O Fed pode cortar em 50 pontos-base em setembro para compensar o tempo perdido, mas agora o mercado está à espera de cinco cortes em 2024, o que é uma reação exagerada”.

Previsões

Os mercados recuperaram, mas a incerteza mantém-se. O que esperar no futuro?

“Temos antecipado um aumento na volatilidade do mercado de ações, dado o desconexão entre as expectativas de consenso otimistas, dados económicos mistos e uma aparente má precificação do risco”, afirma Simon Webber.

“Ainda esperamos que os mercados de ações sejam bem sustentados a médio prazo por um crescimento modesto dos lucros corporativos”. “A conclusão é que os mercados de ações estavam vulneráveis a uma correção, mas a volatilidade elevada é uma oportunidade para reposicionar onde houver desalinhamentos”, conclui Simon Webber.