O primeiro Plano de Cogestão da Reserva Natural do Estuário do Tejo foi apresentado a 15 de julho, no ano em que esta celebra 48 anos desde a fundação. Com mais de 14 mil hectares destacados na maior zona húmida em território nacional, a Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) inclui território dos municípios de Vila Franca de Xira, Alcochete e Benavente numa área de quase o dobro da cidade de Lisboa (que tem 86km2, ou 8600 hectares).
“Estamos a falar de uma reserva que fica em Lisboa: é uma das poucas capitais do mundo que tem uma reserva natural à porta”, afirma Fernando Paulo Ferreira, presidente da Comissão de Cogestão da RNET. “O trabalho sobre o branding da RNET é importante, porque ao estar na área de Lisboa chega a um quarto do país. Quanto mais as pessoas conhecerem a RNET, mais condições há para a proteger”, nota.
“Aumentar a capacidade de alojamento turístico”, “apostar num maior conhecimento da comunidade” e “investimento na infraestrutura nos espaços de visitação da RNET”. As prioridades destacadas pelo também presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira refletem os eixos de atuação delineados na proposta: Valorização Sustentável e Inovadora da Área Protegida, Comunicação dos Valores Naturais, Educação Ambiental e Sensibilização e Capacitação dos Atores-Chave e Coordenação e Articulação Institucional para a Conservação da Natureza, Restauro Ecológico e Resiliência do Território.
Mais vale um pássaro na mão?
Na área protegida pela RNET encontram-se habitats diversos, que albergam a biodiversidade que a reserva procura proteger: águas estuarinas, mouchões, sapais, caniçais, salinas e as lezírias (terrenos agrícolas à beira-rio) acolhem diversas espécies de peixes, moluscos, crustáceos, anfíbios e micromamíferos. A proposta em discussão refere que a zona estuarina é “muito importante para a manutenção dos stocks de peixes costeiros”, permitindo que as larvas e juvenis (estágio que precede a fase adulta, embora já tenha a morfologia de um adulto) de várias espécies se desenvolvam.
Mas é para as aves que vai o maior destaque: “temos o maior espaço de observação e nidificação de aves na Europa: o Espaço de Visitação e Observação de Aves (EVOA)”, afirma o presidente da Comissão de Cogestão. Entre 2007 e 2021, passaram com regularidade pela reserva mais de 100 mil aves invernantes, que podem ultrapassar as 140 mil nos períodos migratórios, e contaram-se mais de metade das observações de espécies limícolas no país, segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. O alfaiate, uma destas espécies que vive em ambientes costeiros húmidos, é precisamente o símbolo da RNET, por aí chegar até cerca de 25% da população desta espécie na Europa.
“O turismo ligado à ornitologia e ao birdwatching é um nicho muitíssimo importante no que diz respeito ao turismo ao nível mundial. É uma mais-valia que temos, mas a oferta de alojamento disponível ainda não chega”, nota o autarca.
“E vós, Tágides minhas”
Não é certo se as ninfas Tágides a quem o autor d’Os Lusíadas invoca habitam dentro de uma área protegida. O que é certo é que a opção por Alcochete do Governo poderá ter impactado o desenho da estratégia para o próximo quadriénio da RNET.
Questionado sobre a decisão de construir o novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, batizado como “Luís de Camões” – anunciada e publicada em Diário da República em maio deste ano – Fernando Paulo Ferreira afirmou que “a indefinição relativamente ao aeroporto é pior que a definição”.
“A definição da localização do aeroporto, sob o nosso ponto de vista, foi bom que fosse feita. À partida, não terá uma influência direta. Não temos dados que nos permitam dizer que está alguma coisa em risco”, nota o presidente da Comissão de Cogestão. É relevante acrescentar que a Comissão Técnica Independente recomendou a construção do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete.
Não é teu, não é meu — é nosso
O Modelo de Cogestão das Áreas Protegidas foi estabelecido em agosto de 2019, assegurando o “princípio de participação dos órgãos municipais na gestão das áreas protegidas”, no âmbito da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030. Os municípios de Vila Franca de Xira, Alcochete e Benavente apresentaram o pedido de adesão a este modelo em 2022, tendo então acordado que ao primeiro caberia a presidência da Comissão de Cogestão da RNET, que reuniu pela primeira vez em junho de 2023.
“Tem-se gerado uma relação de bastante confiança entre as entidades. A Comissão tem uma característica que considero muito válida: envolve não só os organismos do Estado central, como o ICNF, mas também os municípios, universidades, associações do setor, a Companhia das Lezírias e ONGs. Temos a sociedade toda envolvida nesta Comissão”, explica o presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. A Comissão de Cogestão, com sete membros efetivos, é auxiliada por um Conselho Estratégico, de caráter consultivo, que engloba 21 instituições.
“Não fazia sentido que uma parte relevante do nosso território acabasse por estar fora do pensamento das comunidades onde está inserida. Foi uma ótima decisão — e é capaz de ser um sentimento que têm todas as que estão implementadas. Mas é preciso que o Governo lhes dê capacidade para agir”, acrescenta o autarca.
“Todas as pessoas e associações que queiram devem poder participar. Por isso vamos fazer uma sessão pública em cada um dos municípios. Achamos mesmo que é importante que as pessoas se envolvam neste futuro particularmente importante”, considera Fernando Paulo Ferreira. A primeira Proposta de Plano de Cogestão da Reserva Natural do Estuário do Tejo 2025-2028 foi apresentada estará em consulta pública até dia 30 de setembro. “É um plano ambicioso; por isso é que o colocámos em discussão pública não pelos dez dias que exige a lei, mas por dois meses e meio”, remata.