A fiscalidade está na ordem do dia. As matérias fiscais, usualmente reservadas para o orçamento, exceto em caso de grandes reformas estruturais, extravasou para a prática legislativa corrente. Num equilíbrio periclitante entre Maioria e Oposição, o Presidente da República promulgou ajustamentos ao IMT e ao IRS e o Governo anunciou um pacote legislativo que visa tornar a fiscalidade das empresas mais atrativa e, com isso, fomentar o investimento.
A esta súbita alergia ao orçamento não é, por certo, alheia a intenção de o tornar tão neutro quanto possível, para, por essa via, possibilitar uma aprovação que evite eleições que ninguém parece querer. Já que, sem orçamento e na ausência de novas eleições, o Governo teria de viver em 2025 com duodécimos de um orçamento aprovado com outra maioria política. O que seria no mínimo estranho. E com isto, o nosso já estranho sistema fiscal arrisca tornar-se uma manta de retalhos carecida de coerência estrutural.
Habitação
A benesse dada em IMT aos mais novos, após a subida operada em 2024 de mais 1 ponto percentual para prédios de maior valor (não necessariamente de maior conforto, mas muitas vezes apenas de maior dimensão), vem criar um problema de constitucionalidade pela discriminação geracional, sem resolver o problema habitacional.
Como referi em tempos, a fiscalidade pressiona o preço da habitação e a resolução deste efeito implica a abolição da sobre tributação decorrente da sobreposição de IMT e IVA.
O primeiro, porque inflaciona o custo dos imóveis nas suas sucessivas transmissões e o segundo porque a isenção é meramente aparente. O imposto suportado na construção (desde logo na empreitada, com taxa de 23%) é repercutido no preço.
Por esse facto, acaba por não incidir IVA (em sentido económico) apenas na parte do preço que corresponda a encargos financeiros e à margem de lucro. O consumidor deveria ficar a ganhar pela substituição do IMT e da isenção de IVA pela incidência deste imposto IVA à taxa reduzida de 6%.
A limitação aos regimes de golden visa e residentes não habituais (com esse ou com outro nome) também não resolve um problema que só o pode ser pelo lado da oferta, nunca pelo lado da procura que não pode, nem deve, ser limitada.
Neste sentido, deixar de procurar captar talento e famílias para Portugal, quando todos os Países do Sul da Europa o fazem e há crescente procura de nacionais de Países com crises graves em curso, como França ou Estados Unidos é, sem dúvida um erro.
Salários
Com a habitação a preços proibitivos, os baixos salários tornam o rendimento disponível quase uma miragem, sobre o qual incide IRS a taxas que apenas seriam razoáveis para rendimentos elevadíssimos. A isto acrescem ainda encargos sociais sobre empregadores e trabalhadores com taxas comparativamente muito elevados.
Por isso, a iniciativa da BRP de divulgar ao fatia total que o Estado arrecada dos encargos salariais totais deverá suscitar muitas surpresas e não poucas inquietações.
Neste sentido as alterações das taxas de IRS, que se sentirão em 2024 ou em 2025 em função da alteração, ou não, das taxas de retenção na fonte, não foram no bom sentido, pois acentuaram a hiper- progressividade do IRS (galopante, por crescer muito rapidamente, numa banda muito estreita de rendimentos).
Por esse facto, o imposto, continua a penalizar muito de forma expressiva a classe média, com taxas comparativamente elevadas, para rendimentos comparativamente baixos, ainda que ajustados pela paridade do poder de compra.
Empresas
A tributação empresarial é relevante para o dinamismo económico e deve fomentar a consolidação empresarial. Neste sentido o pacote fiscal divulgado pelo Ministério da Economia é positivo.
Falta, porém, uma medida essencial para simplificação das concentrações de PME’s e que adicionalmente não implicaria despesas fiscal, mas muito pelo contrário aumento da mesma (até porquanto, paradoxalmente, o nosso sistema mantém a incongruência da progressividade na tributação do lucro das empresas).
Essa medida corresponde à sugerida criação de um modelo de balcão único, assente em modelos eletrónicos, para os processos de fusão das pequenas e médias empresas, com processos céleres, simples e harmonizados, a par de informações prévias vinculativas, diferidas tacitamente em caso de ausência de decisão em tempo pré-fixado e desde que fornecidos todos os elementos constantes de formulário pré fixado e constante desse balcão único, e passíveis de ser apreciados no CAAD em caso de indeferimento expresso.
O estado da arte
No entanto, o enquadramento político e a consensualização por mínimos, patente na referida desorçamentação das matérias fiscais, aponta para que não seja viável reforçar a eficácia e coerência da tributação de famílias e empresas, ou dar-lhe outros objetivos para além do propósito primário de arrecadação de receita, muito pelo contrário.
A referência do título não é, pois, apenas por se discutir e aprovar o Orçamento no Outono. É mesmo porque o sistema de tributação poderá estar em declínio acentuado.
Fundador da J+Legal e Vice Presidente do Forum para a Competitividade