Uma estratégia para o desporto em Portugal

Ao nível desportivo, as oportunidades ainda são escassas e a estratégia e o investimento é desconexo com as necessidades do país.

Os Jogos Olímpicos 2024 arrancaram na última semana, em Paris, com mais de 200 nações em prova e milhares de atletas à procura de conquistar o mais almejado título desportivo, que se encontra apenas ao alcance de muito poucos.

O caminho que se esconde por trás das medalhas é imenso e na larga maioria dos casos corresponde a uma rigorosa e metodológica estratégia nacional para o desporto e para as modalidades desportivas. Em raras situações a conquista assídua de um largo conjunto de medalhas por um país, são fruto do acaso, ou melhor, dos dons naturais de alguns.

No dia em que começam os Jogos Olímpicos, convém recordar que em 18 participações desde 1912, Portugal só arrecadou 28 medalhas em todas as modalidades (7 de 1912 a 1960 e 21 de 1976 a 2020), que produziram somente cinco campeões olímpicos (1984; 1988; 1996; 2008 e 2020). Tendo em conta que somos um país pertencente à União Europeia, este é um resultado que devemos classificar como francamente negativo.

Para comprovar o que digo, comparemos a nossa participação em Tóquio 2020 (última edição) com a dos nossos congéneres europeus, com a mesma escala geográfica e demográfica.

A título de exemplo e para não ser exaustivo, de entre os 15 países europeus que tem 5 a 12 milhões de habitantes, Portugal (10,2 milhões de habitantes) ficou em 10.º lugar, com apenas 4 medalhas conquistadas, contra as 20 (!) da Hungria (9,7 milhões), as 13 da Suíça (8,5 milhões) ou as 11 da República Checa (10,6 milhões) e Dinamarca (5,8 milhões). À nossa frente em número de medalhas, ficaram ainda a Suécia, a Sérvia, a Noruega, a Bélgica, a Áustria e a Bulgária.

É por isso premente tomar medidas estruturais que nos permitam competir com os países europeus da mesma escala, melhorar a qualidade e competência da oferta desportiva formativa e com isso impulsionar também o PIB nacional:

Em primeiro lugar, temos de definitivamente criar e aprovar a Carta Desportiva Nacional, um documento basilar para a boa gestão e implantação das infraestruturas desportivas. De acordo com a demografia e geografia subjacente a cada região, em articulação com o Sistema de Ensino Básico, Secundário e Superior e potenciando o crescimento de novas centralidades ao longo do território nacional, criando ecossistemas que permitam o desenvolvimento económico do país;

O segundo pilar é o da Educação. O desporto – em contraciclo com o desenvolvimento motor das crianças – é uma matéria praticamente esquecida no primeiro ciclo do ensino básico. Urge implementar uma estratégia de desenvolvimento e promoção da prática desportiva desde o pré-escolar até ao ensino secundário, criando desde cedo hábitos desportivos essenciais à boa condição física e mental das crianças de hoje e dos adultos de amanhã;

Com base no primeiro e segundo ponto, a terceira grande medida deve passar pelo investimento na formação dos mais novos, o que inclui a aposta na capacitação de formadores e treinadores, para apresentarmos uma formação desportiva com qualidade, nas modalidades com expressão em Portugal.

Quer isto dizer: as Federações Desportivas, perante um plano nacional onde se definem os objetivos globais para cada modalidade, devem possuir os recursos necessários para aumentar o número de atletas praticantes, as condições de treino e as oportunidades para todos, sabendo que é no período infantojuvenil, que temos a possibilidade de trabalhar de forma plena a condição física do ser humano, indispensável para a prática de qualquer desporto, principalmente no que respeita ao alto rendimento;

Em quarto lugar, gostaria exatamente de destacar a importância de trabalharmos para o alto rendimento. Os atletas que hoje temos a disputar os Jogos Olímpicos, são, em larga medida, fruto do seu próprio dom. Portugal, já perdeu centenas de bons atletas, em inúmeras modalidades, que não tiveram a oportunidade e as condições para se puderem desenvolver como tal e no devido tempo.

É muito importante olharmos para o alto rendimento em duas perspetivas: em primeiro lugar, como área crucial para a capacidade competitiva do país ao nível desportivo, mas também ao nível económico, já que, aos dias de hoje o desporto de elite é um importante veículo de crescimento do turismo, de aumento das operações e investimentos económicos e de projeção nacional e internacional de uma nação, com ganhos colaterais a diversos níveis.

Em segundo lugar, a necessidade de criarmos referências desportivas na sociedade, que nos motivem a praticar desporto. Em todas as áreas da sociedade usamos referências para inspirarem a nossa vida e o nosso trabalho. No desporto não é diferente. As referências desportivas de alta competição são uma peça absolutamente crucial, para este caminho de aumento da prática desportiva.

Trabalhar para o alto rendimento significa, também, trabalhar para o desporto amador, para a recriação e para o lazer, pois é no alto rendimento que estão os atletas que nos fazem sair de casa e experimentar as mais diversas modalidades.

Por fim, devo referir o grande exemplo da Alemanha, que no período pós-II Guerra Mundial criou aquilo a que chamou de “Golden Plan” do desporto, onde definiu com exatidão o “como” e “onde” é que um país absolutamente destruído se iria reerguer, também no desporto. É fundamental que este Plano Diretor seja construído em Portugal, com base nas premissas que elenquei, para alcançarmos muito mais e muito melhor.

Como relatou o Professor Manuel Sérgio aos microfones da Rádio Renascença, há mais de 50 anos atrás, na semana do 25 de Abril de 1974: “Cada país possui o seu conceito de prática do desporto, consoante se encontra subdesenvolvido, ou em vias de desenvolvimento, ou desenvolvido. O campeão que desponta à margem do desenvolvimento socioeconómico de um povo é a expressão de uma sociedade subdesenvolvida, ou seja, classista e hierárquica, onde só os privilegiados se aperfeiçoam, os mais dotados se educam”.

Este já não é o Portugal de hoje, mas é notório que ao nível desportivo, as oportunidades ainda são escassas, a estratégia e o investimento é desconexo com as necessidades e a realidade do país e Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer.

Especialista em Comunicação e Ciência Política