A transparência salarial ainda não é uma realidade em Portugal, mas a Diretiva Europeia relativa à Transparência Salarial, aprovada a 24 de Abril de 2023, lançou os primeiros dados nessa direção.
Um dos objetivos é “combater a discriminação remuneratória e ajudar a colmatar as disparidades remuneratórias em função do género, na União Europeia”. Atualmente, Portugal é o nono país com a maior disparidade salarial entre homens e mulher e este fosso salarial tem vindo a aumentar desde 2019.
Agora, a Diretiva Europeia relativa à Transparência Salarial terá de ser transposta pelos Estados-membros para a legislação nacional até 2026, mas é um tema ainda pouco claro para um número muito significativo de empresas em Portugal.
59% das organizações diz estar a trabalhar ativamente o tema da transparência salarial, mas 40% admite que ainda não conhece bem a diretiva e as implicações da mesma. A conclusão é do estudo “Readiness Assessment – Transparência Salarial”, desenvolvido pela Mercer Portugal, que contou com a participação de120 empresas de diferentes setores.
As organizações reconhecem enfrentar desafios significativos, apontando como mais proeminentes estarem ainda a perceber o que fazer em matéria de transparência salarial (43%), a criação de uma estrutura de classificação que permita a identificação de postos de trabalho comparáveis (41%) e o desenvolvimento de análises de equidade salarial (38%).
João Pacheco, associate consultant da Mercer Portugal, traça um retrato do setor empresarial em matéria de transparência e deixa algumas sugestões para o cumprimento desta diretiva europeia.
Em Portugal, a transparência salarial ainda não é uma prioridade?
João Pacheco – É uma prioridade crescente. O nosso estudo acaba por concluir que grande parte das empresas têm este tema como média prioridade e admitem pensar no tema a um ou dois anos, o que até faz sentido, face à expectativa da implementação da lei em Portugal, que é até 2026.
Esta directiva acaba por ser um corolário de uma lei que já existe em Portugal, que é a Lei da Equidade de Género. Já há muitas empresas que estão a fazer um trabalho a propósito da equidade de género, portanto, grande parte já estava, na verdade, a caminho da tal transparência salarial.
Apesar disso, Portugal é o nono país da Zona Euro com a maior disparidade salarial entre homens e mulheres, de acordo com o Eurostat. A falta de transparência salarial também pode ser uma forma de branquear o problema?
JP – Sem dúvida. A lei vem precisamente tentar obrigar as organizações a ter processos de equidade dentro das mesmas e evidenciar os problemas que algumas organizações têm internamente por falta de processos, por falta de sistemas e por falta de tecnologia adequada para combater esta falta de equidade na organização.
Estamos aqui a falar de disparidades e de equidade para funções de nível igual e a verdade é que nem sempre é muito claro para uma organização o que são funções de nível igual. Obviamente existem organizações que já têm metodologias de avaliação de funções implementadas, mas há muitas que não o têm e isso acaba por proporcionar esta falta de equidade, que às vezes é invisível para as próprias organizações.
Quais são as principais mudanças que as empresas precisam de fazer nas suas políticas de compensação para cumprir os requisitos da diretiva?
JP – A primeira mudança obrigatória que as empresas vão ter de implementar é uma metodologia de avaliação de funções, que lhes permita comparar aquilo funções de igual responsabilidade para prever a “discriminação indireta”.
Depois disso, organizações terão de ter bandas salariais adequadas à sua organização e, se não as tiverem, vão ter de garantir que a política de compensação fixa e que essas bandas salariais estão adequadas à sua organização no presente momento.
Há também todo um processo de estruturação de carreiras, que é também uma das intenções da diretiva, que implica garantir que as pessoas possam perguntar qual é que é a sua progressão expectável dentro da organização e qual é que é a sua progressão salarial.
Tudo isto vem acompanhado de um processo de comunicação interna e externa que vão ter de andar muito par a par, porque as pessoas vão receber as bandas salariais internamente e as organizações vão ter de ser obrigadas a partilhar bandas salariais externamente. Estas vão ter de fazer sentido para o público que esteja dentro da organização, mas também para o público que esteja fora da organização.
Existem setores específicos que enfrentam maiores desafios em relação à aplicação da diretiva?
jp – Os maiores desafios existem sobretudo em funções corporativas que acabam a ser muito diferenciadas entre elas e criam um problema em perceber o que é comparável. Mas é um problema transversal a todas as indústrias e, certamente, será uma transformação muito grande para todas as organizações.
Quais é que são as potenciais consequências para as empresas que não cumprirem esta diretiva europeia até 2026?
JP – Só podemos falar sobre potenciais consequências, porque ainda não existem.
A primeira lei sobre a equidade de género, a Lei 60/2018, refere que pode haver uma coima para as organizações que tiverem diferenças entre géneros acima de 5% e não as justificarem. Para as empresas que tenham contratação pública, estamos a falar de proibição de contratação pública durante um período de até 2 anos.
Depois, há várias consequências possíveis a nível de competitividade, por exemplo, a empresa não ser competitiva no mercado de trabalho por não apresentar bandas salariais ou por ter problemas ao fazer essa demonstração a colaboradores ou futuros colaboradores.
Em Portugal, ainda não é obrigatório fazer qualquer tipo de disclosure sobre os níveis de gender pay gap na organização, mas há poucos países na Europa onde ainda não é obrigatório. Em vários países europeus existe um diretório público das organizações que têm proativamente de partilhar os seus gender pay gaps.
Terá de haver uma alteração ao nível da cultura das empresas?
JP – Vai ter de haver uma transformação cultural gigantesca porque vamos passar a ter que ter portas abertas no que toca a salários e a bandas salariais. Ainda não é totalmente claro aquilo que vai ter que ser partilhado, mas o que a diretiva diz é que o “mínimo olímpico” será precisamente a partilha da banda salarial e isso vai implicar uma transformação brutal no tipo de comunicação que é feita, interna e externamente.
Há toda uma mudança de mindset das lideranças, uma capacitação de todos os managers e de todo o departamento de RH para poder comunicar isto de forma semelhante com todos os seus colaboradores.
Na sua opinião, há efetivamente um risco de haver um incumprimento desta diretiva em 2026 por parte das organizações?
JP – O nosso estudo conclui que 33% das empresas já partilha com os colaboradores a banda salarial para a sua função e 10% partilha informação sobre a compensação prevista para a função, o que significa que nós daqui a dois anos vamos ter um número bastante maior, ainda que a lei não tenha sido promulgada ainda.