Tornar a pêra-rocha uma marca europeia? ANP diz que é o caminho

Há quem diga que a pêra-rocha tem os dias contados devido ao “fogo bacteriano”, mas a Associação Nacional de Produtores de Pêra Rocha (ANP) quer transformá-la numa marca europeia. “Temos de valorizar o produto e levar o nome da pêra-rocha mais longe”, defende Filipe Ribeiro, presidente da ANP

É um dos produtos mais exportados do país e Portugal destaca-se como um dos principais produtores da Europa. A pêra, mais especificamente a Pêra-Rocha, é conhecida como um símbolo da região Oeste e as exportações têm gerado receitas anuais na ordem dos 85 milhões de euros.

Em 2003, a “Pêra Rocha do Oeste” foi reconhecida com a Denominação de Origem Protegida (DOP) pela Comissão Europeia.

Filipe Ribeiro, presidente da Associação Nacional de Protudores de Pêra Rocha (ANP) – que representa 90% da produção de pêra em Portugal -, revela os desafios significativos que o setor enfrenta e a estratégia para levar o nome da Pêra Rocha mais longe.

A pêra-rocha é, não só um símbolo da região Oeste, mas também um símbolo português. O que é que distingue a pêra-rocha enquanto produto?
Filipe Ribeiro – Para já, é um produto não transformado, apesar de haver depois vários produtos subtransformados de pêra. É um produto fresco, com origem em Portugal, que não só tem uma denominação de origem, mas também tem o carimbo e a marca de Portugal e da região Oeste. É, sem dúvida, uma mais-valia que também temos de explorar, sabendo que Portugal está na moda turística – e pelas boas razões. Temos também de aproveitar essa valência para conseguirmos levar o nome da pêra-rocha, associado ao nome Portugal, mais longe.

Apesar da qualidade reconhecida da pêra-rocha, nos últimos dois anos, tem havido algumas quebras na produção. A que é que se devem?
FR – Devem-se principalmente às alterações climáticas. Estamos com invernos cada vez mais amenos, com temperaturas mais altas, quase não há inverno. E depois temos primaveras, que coincidem com a época da floração, com condições cada vez mais adversas. Tanto temos calor extremo na altura da floração, como temos muita chuva, como temos muito frio. Isso leva a que haja heterogeneidade na produção, tanto quer a nível da região, quer a nível das próprias plantas e é claro que isso se traduz na falta de produção.

Isto associado também a algumas doenças que nos estão a dar dor de cabeça e a dar alguma quebra na produção. Mesmo assim, no ano passado, os produtores nacionais de pera-rocha exportaram cerca de 85 milhões de euros.

Quais é que são as previsões de produção para este ano?
FR –Estamos um pouco na expectativa do que é que vai acontecer, mas é uma expectativa moderada. Pensamos que irá haver mais produção este ano, mas isto é um pouco como no futebol: prognósticos só no final do jogo.

Para quantos mercados é que exportamos atualmente? Quais é que são os principais?
FR – Há quatro mercados com maior destaque: o Brasil, o Reino Unido, Marrocos e Espanha. Temos também a Alemanha, que tem vindo a ganhar importância e que também tem coincidido com uma quebra acentuada na produção de Itália, que era o maior produtor de pêras da Europa.

Há alguns mercados emergentes?
FR – Houve um trabalho feito em relação à China, mas esse mercado ainda não está aberto. Há realmente possibilidade de crescer, nomeadamente na Alemanha e na Europa, mas não só, temos também algum histórico de exportação para o Canadá e para países da América Latina.

Os anos com menos produção também não têm ajudado a levar a crescer para mais mercados e tem havido até algum compromisso com aqueles operadores que já era tradicional trabalharmos. A Associação tem 33 sócios, que são empresas diferentes, temos organizações de produtores, temos empresas comerciais, temos mais pequenos produtores, portanto há uma diversidade grande dentro do tecido da própria Associação, mas isso também faz com que cada um se especialize num determinado mercado.

Tem havido uma diminuição do consumo de pêra-rocha em Portugal?
FR – No geral tem-se notado alguma diminuição de consumo de pera e de frutas nacional em detrimento das frutas exóticas. Cada vez há mais frutas exóticas que aparecem a preços às vezes até mais baixos e com uma presença no mercado praticamente durante todo o ano. Isso tem retirado algum foco dentro das frutas nacionais, mas também como o preço das frutas tem aumentado, isso tem algum impacto sobre o consumo.

Os programas escolares são importantes porque também habituam os jovens a consumir fruta. É muito importante ensinarmos os nossos jovens a comer fruta, sabendo da importância que tem ao nível das fibras e da dieta alimentar.

Há uma tradição de os jovens e os estudantes ajudarem os produtores na colheita de fruta. Esta tradição ainda se mantém hoje em dia?
FR – Mantém, mas cada vez menos. Já houve muito mais adesão por parte dos jovens.

Das coisas que me dá um gosto especial é lidarmos com jovens que hoje estão no mercado de trabalho e que todos eles já passaram, principalmente na região Oeste, por esta azáfama da colheita da fruta. Acho que é enriquecedor para os nossos jovens e que devíamos também incentivar isso.

Numa entrevista recente, o dirigente da Frutoeste, Domingos dos Santos, alertou para o risco da pêra-rocha desaparecer em 10 anos da zona Oeste devido ao fogo bacteriano. Acha que esta é uma possibilidade ou é uma visão muito alarmista?
FR – Sem dúvida que isso é uma dificuldade que os produtores atravessam e o combate a esta doença é um custo extra Ela está espalhada por todo o mundo e nós fomos o último país a ter este problema, mas as dificuldades trazem oportunidades. Já existe um trabalho feito na estação de fruticultura em relação ao melhoramento da pêra-rocha, que nos dão principalmente dois clones com mais algumas garantias de resistência em termos desta doença.

Temos realmente de fazer a limpeza, temos de tentar valorizar o produto e nós, a ANP, temos a marca coletiva que é a Rocha do Oeste, que é precisamente uma marca de distinção do produto.

Houve uma sugestão muito interessante no Congresso Interpera, que foi trabalharmos por baixo de um chapéu de uma marca europeia. Para além de termos a marca Europa, a marca Portugal, termos também a nossa pêra-rocha, que é única e é a marca não só da região, mas de um território que é Portugal e que também é Europa. Acho que com tudo isso conseguiríamos valorizar o produto e, pelo menos no curto prazo, cobrir as despesas a mais que a produção tem.

O que é que esperam da parte deste novo governo para o setor?
FR – O facto de o Secretário de Estado conhecer o setor e ter uma sensibilidade especial para aquilo que são os anseios dos produtores pode ajudar a dar-nos ferramentas para que enfrentarmos os problemas que temos ao nível da produção.

Em relação ao nosso Ministro da Agricultura, sei que é um profundo conhecedor do funcionamento da União Europeia e da Comissão Europeia, principalmente na área da agricultura, e é uma mais-valia que a produção tem e deve saber aproveitar para conseguirmos resolver os problemas junto de Bruxelas.

Temos de comunicar mais com as autoridades e as autoridades têm de nos ouvir para perceberem os nossos problemas. Só assim é que conseguimos ter uma autonomia alimentar a nível da União Europeia. Por outro lado, os próprios consumidores têm de perceber que se nós não protegermos a nossa produção nacional e europeia, aquilo que vai acontecer é que vamos passar a importar muitos produtos de origens mais duvidosas.

É preciso que os políticos, quer ao nível nacional, quer ao nível da União Europeia, percebam que o primeiro embaixador do ambiente é o agricultor, porque ele é que ocupa o território. Nós não queremos territórios abandonados, queremos territórios produtivos. O ambiente pratica-se e nós praticamos o ambiente no dia-a-dia. O produtor tenta gerir os seus recursos o melhor possível para produzir um produto com a melhor qualidade possível e com segurança alimentar.