A primeira Batalha dos Montes Guararapes ocorreu perto de Recife a 19 de abril de 1648 e é comemorada no Brasil como Dia do Exército Brasileiro, sendo praticamente desconhecida em Portugal. O que podemos aprender com esta batalha entre portugueses e uma “multinacional” que seja aplicável aos dias de hoje?
Durante o período em que Portugal e Espanha estavam unidos sob um único rei, o Brasil Holandês tornou-se uma colónia da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (WIC), ocupando grande parte da região nordeste do Brasil entre 1630 e 1654, em particular a leste da Capitania de Pernambuco.
Esta ocupação teve as suas raízes em conflitos comerciais, como a proibição do comércio ibérico com os portos holandeses, afetando o lucrativo comércio de açúcar do Brasil. Isso levou os holandeses a explorar o comércio no oceano Índico através da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) criada em 1602, garantindo assim elevados lucros e estabelecendo um modelo para a Companhia das Índias Ocidentais em 1621.
A Companhia das Índias Ocidentais, com um capital robusto após um ataque bem-sucedido à frota da prata espanhola em 1628, lançou expedições militares que resultaram na ocupação temporária de pequenas áreas do Brasil. A conquista mais significativa ocorreu em 1630, quando uma expedição militar da WIC capturou a Capitania de Pernambuco.
Os holandeses visavam expandir a indústria açucareira para novas áreas, o que levou a confrontos com os colonos portugueses e brasileiros insatisfeitos com a presença estrangeira. Isso mesmo se manifestou em movimentos de expulsão dos holandeses, como a resistência no Maranhão em 1642.
Esses eventos refletem a complexidade das relações coloniais no século XVII, com interesses comerciais, rivalidades entre potências e a resistência local moldando o curso da história na região nordeste do Brasil durante o período do Brasil Holandês.
Sob constante pressão dos habitantes locais, a 19 de Abril de 1648 as tropas holandesas (7.400 homens e 6 peças de artilharia) faziam a travessia da Estrada da Batalha, onde se localiza o morro dos Guararapes (perto de Recife), um local propício a emboscadas.
Surpreendentemente, 60 batedores das tropas luso-brasileiras atacaram a vanguarda holandesa, atraindo os invasores para uma armadilha mortal numa passagem estreita entre os morros e o mangal, chamada Boqueirão (boca grande), onde foram atacados pelos flancos e destroçados pela infantaria e artilharia luso-brasileira. Como resultado, houve 1.200 baixas e 700 feridos entre os holandeses e 84 mortos e 400 feridos entre as forças luso-brasileiras.
Sem esperança de vitória, as tropas da Companhia das Índias Ocidentais fugiram para Recife, onde ficam sitiadas por anos, até que se rendem em 1654 e partem do Brasil, abandonando todas as suas possessões na colónia portuguesa.
Em termos contextuais, podemos fazer uma analogia entre a presença das tropas coloniais holandesas da Companhia das Índias Ocidentais, e as forças luso-brasileiras, formadas por uma coligação de grupos étnicos diversos, como a relação entre uma multinacional e pequenas e médias empresas locais. Esta mesma analogia tem sido mencionada por diversos historiadores.
A Companhia das Índias Ocidentais, como representante do poder colonial holandês e possuindo recursos consideráveis, pode ser comparada a uma grande empresa multinacional, com ampla infraestrutura e apoio financeiro (efetivamente, a WIC era cotada em bolsa). Por outro lado, as forças luso-brasileiras, compostas por uma combinação de soldados locais, brasileiros colonos, negros libertos e índios, poderiam simbolizar uma rede de pequenas e médias empresas locais (sobretudo representada pelos “engenhos” de cana de açúcar) unidas por um objetivo comum.
Essa comparação ilustra a dinâmica desigual de recursos entre os dois lados em confronto, onde a resistência local, ainda que menos estruturada e financiada, foi capaz de se unir estrategicamente para confrontar e derrotar a multinacional holandesa.
A Batalha dos Guararapes oferece diversas lições valiosas em termos de liderança:
- Unidade e Cooperação: A liderança eficaz envolve a capacidade de unir diferentes grupos e indivíduos em torno de um objetivo comum. Durante a Batalhas dos Guararapes, a liderança foi capaz de unir soldados luso-brasileiros, colonos portugueses, negros livres e índios numa coligação eficaz contra as tropas holandesas.
- Inspirar e Motivar: Um bom líder é capaz de inspirar e motivar os seus seguidores, incentivando-os a superar obstáculos e a acreditar na possibilidade da vitória. Os líderes das forças luso-brasileiras conseguiram motivar os seus combatentes, transmitindo-lhes coragem, determinação e esperança, mesmo diante de um inimigo mais poderoso.
- Adaptação e Resiliência: Líderes eficazes são capazes de se adaptar às circunstâncias em constante mudança e de demonstrar resiliência diante de desafios e adversidades. Durante a Batalha dos Guararapes, os líderes locais demonstraram capacidade de se adaptar a táticas de guerrilha, usar o terreno a seu favor e persistir apesar das dificuldades.
- Estratégia e Planeamento: A liderança eficaz também envolve a capacidade de desenvolver estratégias sólidas e planos bem elaborados. Os líderes das forças luso-brasileiras durante a Batalha dos Guararapes demonstraram competências estratégicas ao organizar emboscadas, ataques coordenados e fórmulas de defesa eficazes que foram fundamentais para a vitória final.
Na analogia que estamos a fazer entre a Batalha dos Guararapes e uma situação empresarial em que líderes de pequenas e médias empresas (PME) locais confrontam uma multinacional holandesa representada pela Companhia das Índias Ocidentais, podemos dizer que, simbolicamente, os líderes das PME locais alcançaram a vitória sobre os líderes da multinacional holandesa.
Na batalha real, as forças luso-brasileiras, representando as “PME locais”, uniram-se estrategicamente e, com resiliência, adaptabilidade e liderança eficaz, conseguiram derrotar as tropas coloniais holandesas, representando a Companhia das Índias Ocidentais. Portanto, nesse contexto, os líderes das forças locais foram bem-sucedidos em vencer os líderes da multinacional holandesa.
Essa vitória simbólica destaca a importância da união, colaboração, estratégia, resiliência e liderança eficaz das “PME locais” na superação de desafios e na conquista do sucesso contra adversários mais poderosos e bem financiados, refletindo a luta e a capacidade de vencer mesmo em situações desfavoráveis.
Sócio da Egon Zehnder