Quem quer voltar a Portugal?

Para o emigrante, é difícil conciliar a portugalidade com a integração no novo país

Os nossos ´irmãos` em Espanha dizem que o seu desporto nacional é a guerra civil e o de Portugal é a emigração – eu, infelizmente ou felizmente, não sou exceção a esta generalização.


Talvez a única diferença seja que a minha emigração é voluntária e não forçada. Depois de sete anos a viver no Reino Unido e na Alemanha, a pergunta que recebo mais vezes é invariavelmente: ‘E quando é que vais voltar para Portugal?’. A pergunta não tem malícia nem motivos ulteriores. Se só tivermos em conta o que tive de abandonar, é fácil pensar que a balança cai para o lado de não emigrar: família, ir a jogos do Sporting, as ameijoas á Bulhão Pato da minha avó e a possibilidade sempre presente de tomar banho no Atlântico tão perto. Por outro lado, os outros dois países não são conhecidos por serem acolhedores: o mau tempo, a péssima comida e os regimes laborais que não permitem as tradicionais dez pausas para café que caracterizam o nosso país. Para não falar das discussões obviamente desnecessárias se o Cristiano é melhor jogador do que o Messi.


Então porquê emigrar? Há sete anos a resposta era menos óbvia talvez. O mundo é grande e Portugal é pequeno pensava eu. Porquê ir estudar para a Nova Business School com as mesmas pessoas com as quais passei os últimos quinze anos se tenho a oportunidade de viver numa das cidades mais entusiasmantes do mundo. Por isso fui-me embora, feliz, mas consciente que tinha uma oportunidade, que ninguém me obrigava a deixar Portugal para trás, mas que talvez um dia pudesse olhar para trás e ter o desejo de voltar.
Tentei e continuo a tentar aproveitar a minha oportunidade ao máximo. Infelizmente habituei-me a sair de casa quando está escuro e a voltar quando o sol já se pôs, habituei-me a não ter relações pessoais com os colegas do trabalho, mas também me habituei a ser constantemente desafiada e a ter sempre presente que o que faço tem impacto.

Agora a estudar em Cambridge, estou outra vez num ambiente que é difícil comparar com outros países, mas também o sítio em que mais vezes me lembro de Portugal. Aos meus colegas japoneses: ‘Sabias que há 500 palavras Japoneses que vêm do Português?’. Aos meus colegas do Sri-Lanka que me perguntam onde é o melhor sítio para surfar este Verão: ‘Eu iria à Ericeira, mas não te esqueças de trazer o fato de neopreno que o Atlântico é diferente!’.


Mas talvez as coisas tenham mudado nos últimos sete anos. Estatísticas dos últimos meses sugerem que 850,000 jovens vivem fora de Portugal. São números chocantes na minha opinião, são mais pessoas do que as que vivem em Lisboa e revelam a realidade económica do nosso país. Embora eu também contribua para este número, são 850,000 pessoas que não contribuem para impostos, não contribuem para níveis de fertilidade e que talvez todos os dias se sentem um infinitésimo menos ligados ao seu país. No entanto, o que mais me choca não são os números, são as razões pelas quais a sensação de ‘oportunidade’ é agora uma sensação de ´obrigação´. Há sete anos, eu era a única pessoa que conhecia que emigrou, agora tenho uma porção significativa de amigos que emigraram. Não vão longe, é verdade, Alemanha, Espanha, França, países habituados a emigrantes portugueses que estão só a três horas de distância do arroz de pato da mãe. Mas vão porque não tem alternativa, porque já fizeram a licenciatura e o mestrado em Portugal e porque agora, nesta próxima fase da vida, talvez a mais significativa e quando contribuiriam mais para o desenvolvimento não só económico mas também de ideias, o país que lhes dá as melhores condições de trabalho, o melhor salário e qualidade de vida não é o seu. É um país que talvez permita ter os filhos numa boa escola, viajar algumas vezes por ano e sobretudo não ter de viver em casa dos pais.


E quem quer voltar? O que é que é preciso para voltar? No consulado português em Londres, em letras gordas espalhadas pelos corredores está escrito alegremente e com muito positivismo ‘É hora de voltar a casa!’. Mas e se eu não quiser voltar? Para o emigrante, é sempre difícil conciliar a portugalidade com a integração no novo país. Numa conversa com a minha avó esqueço-me da palavra em português para lava-loiça ou a última vez que vim a Portugal não sabia quem era o novo comediante de quem os meus amigos estavam a falar. Nos últimos anos noto que pouco a pouco perco um pouco do meu país, mas como diria Pessoa ‘Matar o sonho é matarmo-nos, é matar a nossa alma´ que para mim é como quem se tenta relembrar que a felicidade não tem de estar ligada a ter os pés assentes em Belém com uma Sagres na mão.


Apesar disso, creio que essa visão não é partilhada por todos. Para alguns, o desejo e a ansiedade de voltar é a única razão que os faz aguentar a precisão alemã ou o humor seco inglês. Há um certo medo de perder a portugalidade que é exacerbado sempre que o emigrante volta e se senta na esplanada com o sol a bater a beber cerveja a 2€. Tem medo de que os futuros filhos se esqueçam como se diz lava-loiça e que passem a apoiar o Chelsea em vez do Sporting.


Talvez por isso mesmo é que o cerne da questão não são quantos jovens emigram. Se o mundo é grande e Portugal é pequeno, porque não pensar então no que Portugal pode contribuir para o mundo com os seus emigrantes (e imigrantes!). O cerne da questão é na realidade quantos é que conseguem continuar a imaginar que todos os sonhos do mundo cabem neste Portugal.

Mestre em Finanças na Universidade de Cambridge