A história repete-se? 880 anos de história de Portugal convidam-nos a refletir sobre lições de liderança passada que podemos capitalizar no nosso futuro. Os líderes de hoje precisam de conhecer a história para aprender com ela, algo bem mais útil do que a repetir.
Contexto “liderança”
De acordo com a maioria dos estudos, entre 70 e 90 por cento das aquisições e fusões falham. A maioria das explicações para este número deprimente enfatiza problemas de integração entre as duas partes envolvidas e a incapacidade dos líderes para os superar.
A integração pós-fusão ou pós-aquisição (PMI, Post-Merger Integration, em inglês) apresenta uma série de desafios de liderança, pois envolve a combinação de empresas independentes numa única entidade coesa:
– Liderar uma Estratégia e Visão Unificada: Alinhar estratégias empresariais e criar uma visão clara para a nova entidade é fundamental. Os líderes devem difundir eficazmente essa visão para garantir que todos os colaboradores estejam alinhados.
– Criar uma Nova Cultura Organizacional: Fundir culturas corporativas distintas é complexo. Os líderes precisam trabalhar na integração de valores, práticas e identidades corporativas para criar uma cultura unificada que impulsione o desempenho e extraia sinergias.
– Desenvolver Processos Integrados: Harmonizar sistemas, processos operacionais e procedimentos é essencial para garantir a eficiência e a eficácia da empresa combinada. Isso pode envolver a escolha entre sistemas existentes ou a implementação de novas soluções.
– Manter uma Comunicação Eficaz: Integrar equipas, alinhar objetivos, motivar e inspirar durante um período de incerteza é crucial. Durante a integração, a comunicação transparente e consistente pelos líderes é vital para manter as equipas comprometidas com as mudanças.
– Gerir Eficazmente Expectativas e Riscos: Assegurar que as expectativas dos investidores, colaboradores, clientes e demais stakeholders sejam realistas e atendidas é um desafio crítico de liderança. Identificar e mitigar riscos potenciais, é fundamental para o sucesso da integração.
– Focar no Crescimento: Manter um olhar para o futuro e não se perder na integração é importante. Os líderes devem garantir que a empresa continue a inovar e a buscar oportunidades de crescimento mesmo durante o processo de integração.
Uma liderança eficaz é essencial para enfrentar esses desafios, exigindo habilidades de comunicação, capacidade de tomar decisões difíceis, empatia, visão estratégica e adaptabilidade para navegar com sucesso pelo processo de integração pós-fusão ou aquisição.
Contexto “histórico”
A morte de D. Sebastião em 1578 abriu caminho à União Ibérica passados dois anos. Filipe II, rei de Espanha, neto de D. Manuel I por via feminina, impôs-se perante D. António, prior do Crato (filho ilegítimo do infante D. Luís), e D. Catarina de Bragança (filha do infante D. Duarte e casada com o duque de Bragança), ambos seus primos. Após obter o apoio do alto clero, da maior parte da nobreza, dos burocratas e da burguesia, Felipe II enviou à sua frente o exército do duque de Alba, antes de se instalar em Lisboa de 1581 a 1583. Convocou Cortes para Tomar, onde foi solenemente jurado e aclamado rei.
União Ibérica não significou perda de identidade. Efectivamente, nas Cortes de Tomar, o primeiro rei da terceira dinastia comprometeu-se a garantir autonomia ao país, em termos de identidade, administração e política, excepto a externa. Na prática, uma solução de “um rei, dois países”.
Em 1598, Filipe III sucedeu a Filipe II, entregando o poder real nas mãos de favoritos. A nova política de Madrid focou-se na centralização da administração, reduzindo a pouco e pouco a autonomia. O aumento de impostos, o abandono dos territórios ultramarinos portugueses e uma série de medidas contrárias aos compromissos de Tomar levaram ao aumento do descontentamento em Portugal.
Filipe III morreu em 1621 e o seu filho Filipe IV confiou o governo ao conde-duque de Olivares. O novo homem forte da monarquia espanhola impôs um vasto plano de reformas, todas tendentes à uniformização de leis e práticas administrativas e militares. Em 1638 fez-se o recrutamento de militares portugueses, pagas com os nossos impostos, para combater algures na Europa, sem qualquer interesse. Olivares chamou a Madrid grande número de nobres, ostensivamente para discutir uma nova reforma administrativa e mantê-los sob controlo.
Os 60 anos de domínio dos Habsburgos em Portugal foram evoluindo de autonomia, para centralização e posteriormente para uniformização. Progressivamente, aumentou o descontentamento, dificuldades económicas, perda de autonomia e imposição cultural, o que acabou por alimentar o desejo de independência e a restauração da soberania portuguesa.
Falhou a Post-Merger Integration ibérica pela degradação da qualidade dos seus líderes. À visão de Filipe II, como neto do grande D. Manuel I e filho de uma infanta portuguesa, seguiu-se o seu filho e neto que não lhe seguiram o exemplo. Perdeu-se uma estratégia comum, apostou-se na cultura espanhola, impôs-se processos administrativos centralizados resultando na perda de autonomia política, económica e jurídica, ficando de fora uma comunicação eficaz (Filipe III passou uns breves meses em Portugal e Filipe IV nem isso). Acima de tudo, a liderança de Madrid deixou de atender aos desejos e anseios dos vários stakeholders portugueses, algo que Filipe II tinha sido mestre em fazer. Portugal definhava e não havia futuro.
Em 1 de dezembro de 1640, um grupo de conspiradores nobres portugueses liderou um golpe que resultou na deposição do governo do rei Filipe IV e proclamou o restabelecimento da independência de Portugal. A Revolução de 1640 levou à restauração da independência de Portugal e à ascensão da dinastia de Bragança ao trono português, com a coroação de João IV como rei de Portugal. Este evento marcou o fim do período da União Ibérica, que tinha começado em 1580.
Conclusão
Estaria o processo de União Ibérica votado ao fracasso desde o início? O que teria acontecido se a Catalunha não se tivesse sublevado uns meses antes, levando as tropas de Olivares a ter de escolher entre dirigirem-se para Leste (como fizeram) ou para Oeste? Acima de tudo, a incapacidade dos reis Filipe III e IV, que não se identificavam como verdadeiros líderes e por isso se deixaram dominar pelos seus homens de mão, levou Madrid a não compreender, aceitar e trabalhar com (em vez de contra) a identidade portuguesa resultando assim no falhanço da União Ibérica consubstanciado a 1 de Dezembro de 1640. Uma lição para todos aqueles que têm pela frente um processo de integração pós-fusão ou pós-aquisição (PMI). l
Sócio da Egon Zehnder (Portugal)