Eurodigital: BCE prepara mudanças no euro

Banco Central Europeu deverá anunciar em breve o avanço para a digitalização do euro. Saiba o que muda.

Durante os últimos anos, o Banco Central Europeu (BCE) tem estado a estudar a potencial a emissão de um Euro Digital (D€) e teremos uma decisão sobre esse avanço, ou não, muito em breve.

A primeira pergunta que nos pode vir à cabeça sobre o tema é “mas o euro já não é digital?” A resposta é sim e não: (1) sim, em larga medida, os euros que utilizamos no dia-a-dia já são digitais, sempre que utilizamos um meio de pagamento eletrónico estamos a mover saldos digitais nas nossas contas; (2) não, quando falamos de numerário (notas e moedas) que continuamos a utilizar em múltiplas transações.

As estatísticas de utilização de pagamentos e transações eletrónicas são amplamente conhecidas: nos últimos anos, a economia digital tem crescido, o que tem fortalecido a perceção do “sim” na resposta à pergunta. Esta transformação digital, que é transversal a toda a economia e uma crescente exigência dos consumidores, tem sido liderada, no mundo financeiro, pelos bancos comerciais. Logo, para os particulares e empresas, temos assistido a uma crescente digitalização do dinheiro privado (ex: depósitos em bancos) em detrimento de dinheiro público (ex: notas e moedas emitidas pelo banco central) que existe apenas fisicamente.

É da falta de um representante digital do dinheiro público para o retalho que trata o projeto de emissão do D€ – mitigar esta “falha” com a emissão de um representante digital do dinheiro público (em economês, moeda digital de banco central). Se, e quando, este instrumento existir então a resposta à pergunta passa a ser inequivocamente sim, dado que teremos, acessíveis para o retalho, representanções digitais do euro tanto para a moeda privada como para a moeda pública.

A segunda pergunta que nos pode vir à cabeça é “mas é necessário um Euro Digital?” Provavelmente a resposta a esta pergunta vai ser o foco de um enorme debate ao longo dos próximos meses! Mas deixo aqui algumas reflexões de diferentes perspectivas: (1) uma lente mais pública: a moeda cumpre funções importantes na Economia sendo um instrumento fundamental de políticas públicas, logo é natural pensar que, à medida que a Economia se torna cada vez mais digital, que também o dinheiro público mantenha o seu espaço, tendo que para isso evoluir na sua forma de existência. Esta evolução deve ter em conta os riscos e custos que este novo instrumento pode trazer, mas é difícil de imaginar a componente pública do dinheiro a ficar para trás neste processo de transformação digital – correndo o risco de obsolescência do dinheiro público como o conhecemos; (2) uma lente mais privada: felizmente, na zona euro, a diferença entre moeda pública/privada é impercetível para a larga maioria dos agentes privados (particulares ou empresas), o que demonstra a credibilidade das instituições financeiras e do sistema financeiro. Logo, a necessidade/utilidade de um D€ estará muito dependente das vantagens que este possa trazer a estes agentes na sua utilização vis-a-vis outros meios já existentes.

Na fase de estudo do D€ prioritizaram-se alguns casos de uso, dos quais destaco: (a) os pagamentos “pessoa para pessoa”: com a ideia de criar uma forma fácil e intuitiva para pagamentos instantâneos em euros em toda a zona euro reforçando os instrumentos para a concretização de um mercado único na zona euro e União Europeia (b) pagamentos para comércio eletrónico: é natural que existindo um novo meio de pagamento puramente digital que este vá competir com os meios de pagamento tradicionais que existem atualmente (ex: cartões de crédito) passando a existir uma alternativa de base europeia num mercado dominado por empresas fora do continente europeu.

Nesta fase, ainda embrionária, o caso para a “necessidade” de um D€ parece estar mais balanceado para a perspectiva pública do que para a perspectiva privada, dado que, para os particulares e empresas, não há nada que esteja a ser pensado para o D€ que não pudesse ser feito com os atuais meios de pagamento electrónicos ou evoluções dos mesmos.

Termino com o que já sabemos sobre o Euro Digital: (1) o processo de estudo, que começou no final de 2021 e terminou recentemente, vai culminar numa decisão do Banco Central Europeu, no Outono deste ano, sobre o avanço (ou não) na emissão do euro digital – pessoalmente ficaria surpreendido se a decisão fosse de não avançar. (2) desenho do instrumento como o conhecemos: é o equivalente eletrónico às notas e moedas físicas, é a representação digital dos euros emitidos pelo banco central europeu. Nesse sentido será uma alternativa complementar aos instrumentos de pagamentos existentes, e não uma nova forma de captar aforro pelo sector público da economia. (3) lançamento: a termos um D€, começará a estar nas nossas carteiras provavelmente em 2025 e para casos de uso muito específicos para dar tempo aos agentes económicos para se adaptarem – será uma introdução gradual e progressiva nas nossas vidas.

Obviamente, ficou muito por dizer e explorar sobre o Euro Digital, mas antecipo que este será um tema marcante nos próximos meses e anos, à medida que fique mais próximo das nossas carteiras.

Afonso Fuzeta Eça
Professor e Diretor-executivo de Inovação do BPI